APLB repudia fala de desembargadora que ironiza e vota contra pedido de licença de professora para se especializar em Feminismo, Gênero e Mulher: “Isso é matéria para militância e não Doutorado”
A direção da APLB-Sindicato torna pública NOTA DE REPÚDIO às recentes declarações da Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia, do Tribunal de Justiça da Bahia. Em sessão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia realizada, em 18 de julho de 2023, Rosita Maia negou licença remunerada a uma professora do Município de Caldeirão Grande para cursar um doutorado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos – o PPGNEIM, da Universidade Federal da Bahia.
A servidora pública municipal em questão, que ingressou na Justiça para ter seu direito preservado, é vice-coordenadora do Núcleo APLB-Caldeirão Grande. Ela foi exonerada após ter seu requerimento de Licença para Aperfeiçoamento Profissional negado. Diante do exposto, ingressou com 2 ações na Justiça: uma para reintegração do cargo e outra como um Mandato de Segurança para requerer a licença remunerada.
A referida desembargadora, que deveria apoiar a Educação para que nossa sociedade fosse menos machista, sexista e misógina, além de votar contra, fez uso de declaração infeliz, na qual ironizou e desqualificou a importância do Doutorado. “Esse caso é emblemático. A professora pede licença para cursar um curso em Feminismo, Mulher e Gênero. Realmente, eu desconheço a utilidade disso no currículo no qual ela deve estar lecionando. Isso é matéria para militância e não para Doutorado. Não tem sentido se permitir uma licença de dois anos remunerada”, declarou a desembargadora.
Durante a sessão, complementando o seu comentário contra a aprovação do pedido, a desembargadora ironizou a licença ao dizer que está ficando “jurássica”, por não perceber a utilidade do tema para as salas de aula. Mesmo reconhecendo que está desatualizada, Rosita faz duras críticas à Educação baiana e menospreza o ensino público, acrescentando:
“Eu acho que estou ficando ‘jurássica’, pois eu não aceito esse tipo de abordagem. As escolas públicas estão sem controle, não se ensina nada aos alunos. Eles, talvez por revolta, estão destruindo as escolas e batendo em professores na sala de aula. Os alunos vão para as escolas para não aprender nada. Eu sinto muito que isto esteja acontecendo, mas eu respeito a decisão da maioria”, salientou. A desembargadora Joanice Maria Guimarães de Jesus, presidente da sessão, discordou. “É um tema do século! Se aprender só Português e Matemática é algo do tempo da ditadura”, disse, mas foi contestada por Rosita: “Eu respeito a sua opinião, mas não concordo”.
Ao final, a licença remunerada para a professora foi aprovada pelos desembargadores.
A APLB-Sindicato, através do coordenador-geral Rui Oliveira, além de se solidarizar com a profissional em Educação, disponibiliza o apoio Jurídico e se manifesta publicamente junto com núcleos de pesquisa do campo dos estudos de gênero e feminismos além de entidades da Educação, para repudiar tal comportamento. “Repudiamos veemente essas declarações que não só ferem à Educação, mas também aos profissionais que atuam no âmbito da Educação. Infelizmente essas ações reforçam uma estrutura patriarcal e sexista, totalmente alheia aos direitos e esforços por uma educação libertária, contra a violência e discriminação, consciente do nosso papel diante da sociedade”, destaca Rui.
Segue abaixo na íntegra, a Nota de Repúdio emitida por diversas entidades da Educação e grupos de pesquisa:
Os abaixo-assinadas/os núcleos de pesquisa do campo dos estudos de gênero e feminismos vêm aqui demonstrar seu profundo repúdio aos recentes pronunciamentos da Desembargadora Rosita Falcão de Almeida Maia, do Tribunal de Justiça da Bahia. Em sessão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia realizada em 18 de julho de 2023, Rosita Maia negou licença remunerada a uma professora do Município de Caldeirão Grande para cursar um doutorado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos – o PPGNEIM, da Universidade Federal da Bahia, nesses termos:
“Esse caso é emblemático. A professora pede licença para cursar um curso em Feminismo, Mulher e Gênero. Realmente, eu desconheço a utilidade disso no currículo no qual ela deve estar lecionando. Isso é matéria para militância e não para Doutorado. Não tem sentido se permitir uma licença de dois anos remunerada”.
Tal julgamento demonstra um total despreparo e desinformação quanto à importância desses estudos na escola básica, conforme preconizam os parâmetros curriculares transversais, bem como no desenvolvimento de práticas pedagógicas. Este é um debate da educação há décadas e os legisladores/as têm estado atento à institucionalização de políticas públicas que ensejem informar sobre a importância do gênero no desenvolvimento da cidadania, da profissionalização e no combate às violências. Ainda, pior que isso, a desembargadora está desatenta ao peso do patriarcado no seu pensar, algo jamais esperado de uma profissional desta monta. Salta aos olhos o seu desconhecimento de nossa história – da sua própria, aliás, vez que foram nossas lutas através dos séculos que conquistaram a possibilidade de mulheres chegarem aos altos postos, incluindo o que ela hoje ocupa no sistema judiciário.
Não contente em desqualificar nosso campo de estudos, a desembargadora, mesmo reconhecendo que está desatualizada, menospreza também o ensino público, acrescentando:
“Eu acho que estou ficando ‘jurássica’, pois eu não aceito esse tipo de abordagem. As escolas públicas estão sem controle, não se ensina nada aos alunos. Eles, talvez por revolta, estão destruindo as escolas e batendo em professores na sala de aula. Os alunos vão para as escolas para não aprender nada.”
Tivesse essa desembargadora procurado se informar melhor, sobre as questões que são discutidas pela educação e sobre o estado da arte da pesquisa em educação, saberia antes de emitir seu desastroso parecer que a área da educação, bem como tantas outras, constroem posições interdisciplinares com a pesquisa e estudos sobre mulheres, gênero e feminismos para qualificar a atuação na profissão e na sociedade. Saberia também que os estudos sobre mulheres têm uma longa data, acompanhando nossas lutas para a conquista de direitos e espaço nos campos do poder, inclusive no judiciário. Mesmo um rápido levantamento nas plataformas virtuais lhe informaria que já no século XVIII, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, por exemplo, mulheres elaboravam textos e tratados sobre a condição das mulheres, tendo um deles, inclusive, o de Mary Wollstonecraft, intitulado “The Vindication of Women”, publicado em 1792, sido traduzido e publicado em 1832 no Brasil sob o título “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”, por Nísia Floresta. Educadora, escritora, jornalista e poetisa, Nísia atuou tanto no campo da educação para meninas e mulheres, quanto no campo da política pelos nossos direitos, questionando: “Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito como eles, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?”. Há de se imaginar que a desembargadora concordaria com Nísia Floresta, tivesse ela tomado conhecimento dos escritos dessa nossa heroica brasileira.
Como se pode notar, as lutas e estudos feitos sobre e por mulheres tem informado a sociedade sobre o caráter do poder, das instituições e das políticas, deslocando visões retrógradas, reducionistas e exclusivistas. Portanto, os argumentos apresentados pela desembargadora não só preferem ignorar a visibilidade crescente das pautas defendidas pelos movimentos feministas que tantas conquistas proporcionaram às mulheres como reproduzem, ainda que inadvertidamente, a chamada “ideologia de gênero” que naturaliza e justifica a diferença entre mulheres e homens, isto é, comportamentos, formas de pensar e papéis sociais com base no sexo biológico – que os estudos de mulheres, gênero e feminismo buscam problematizar. Outrossim, sua visão também apresenta limites quanto à formação estudantil, a função da escola na produção da cidadania e as temáticas da diversidade na ampliação do caráter público e inclusivo da escola.
É lamentável que sua posição não só reduza os direitos de outra mulher, uma professora, bem como reproduza a desigualdade de forma tão esdrúxula. Felizmente, a posição da desembargadora foi vencida e a licença da professora foi aprovada, de modo que ela poderá se dedicar integralmente ao seu Doutorado. Temos certeza que essa formação em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo contribuirá muito para seu fazer enquanto educadora quando retornar ao seu posto de trabalho.
Os estudos sobre gênero, mulheres e feminismo no Brasil ganharam força nas décadas de 1970 e estão espalhados em núcleos de pesquisa, linhas de pós-graduação em diversas áreas, e em programa mais específico como o PPGNEIM. Este campo está em crescimento pela demanda constante de atualização de profissionais atuantes especialmente nas políticas públicas, defendendo direitos e impactando positivamente no combate a todas as formas de violências e desigualdade de gênero em intersecção com outros marcadores sociais.
Desta forma, repudiamos o discurso público da desembargadora, bem como a convidamos para conhecer nossas pesquisas, nossos programas de pós graduação, nossa relevância na construção deste país e nossa importância na ciência e produção do conhecimento.
Assinam esta nota:
01. Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – NEIM/FFCH/UFBA
02. Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM/UFBA)
03. Centro de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres, Gênero, Saúde e Enfermagem -GEM/EEUFBA
04. Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE)
05. Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social: Gênero, Política e Poder – GEPOS (vinculado ao CNPq/Ufam)
06. Grupo se Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e Gênero/UFPA
07. Grupo de Pesquisa em Educação e Mulheres da Amazônia – UEA
08. Núcleo de extensão Mulheres na Universidade – UEA
09. Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família – Negif – UFC
10. Laboratório de Estudos de Feminicídios (Uel/LESFEM)
11. Núcleo de Pesquisa Flora Tristán – Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília
12. Cátedra Antonieta de Barros: educação para a igualdade racial e o combate ao racismo, UFSC
13. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher – NEPEM, UFMG
14. Grupo de Pesquisa Frida Kahlo – UFAL/CNPq
15. Grupo de Pesquisa e Estudos Gênero e Violência (GPEG)/UNIMONTES
16. Inserto (Núcleo pela diversidade sexual e de gênero) – Unimontes
17. GT Estudos de Gênero e História – ANPUH/BA
18. Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC)
19. Núcleo Transcrim, UFF
20. Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indigenas, NEABI-UEFS
21. Núcleo Transdisciplinar Subjetividades, Violências e Processos de Subjetivação (TRANSCRIM), Universidade Federal Fluminense
22. Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero/ LIEG – UNESP
23. GT de Estudos de Genero ANPUH – Seção São Paulo
24. Programa de Pós Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (PPGH)
25. Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência – Ufes
26. Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão sobre Diáspora Africana/UFVJM
27. Grupo de pesquisa Nina Simone: estudos interdisciplinares de Gênero
28. KRuPSKAIA- Grupo de pesquisa em História, Educação e Gênero. PUC Goiás
29. Grupo de Estudos e Pesquisas Subjetividades e Instituições em Dobras (UERJ/UFRRJ/IFRJ)
30. Grupo de Pesquisa em Gênero e História GRUPEGH USP
31. Laboratório de Estudos de Gênero e História- LEGH/UFSC
32. Círculo de estudos feministas – UFPA Castanhal
33. GEP Gênero, Democracia e Direitos Humanos
34. Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero , Democracia e Direitos Humanos – Câmpus Goiás/ UFG (CNPq)
35. Instituto de Estudos de Gênero – IEG/UFSC
36. CineGD: Cinema, gênero e Direito (UFG/Goiás)
37. Psicologia do desenvolvimento/Programa de Pós Graduação em Psicologia- UFBA
38. GT GÊNERO ANPUH/PA
39. Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Gênero (LIEG/Unesp)
40. Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional – Gepae/UFU
41. JUREMA: Feminismos, Agroecologia e Ruralidades UFRPE
42. Labor – Laboratorio de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Políticas Públicas e Desenvolvimento DECISO UFRPE
43. Grupo de Estudos de Diversidade Religiosa e Intolerância – GEDRI (UFRPE)
44. Rede de Pesquisas em Feminismos e Política
45. NEGES – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidades da Universidade Federal de Campina Grande
46. Laboratório de Estudos e Pesquisas Feministas em Saúde Mental, Cultura e Psicanálise –LabEFem – CFCH – Ufac
47. Grupo de Pesquisa em Educação, Diversidade, Linguagens e Tecnologias (Gepedet/IF Baiano//CNPq)
48. NESMA- Núcleo de Estudos Educação, Sociedade e Meio Ambiente (UFRPE)
49. T de Gênero ANPUH-SC
50. Núcleo Interdisciplinar de Relações étnico-raciais, Gênero e Sexualidade (NIRGS/UEA)
51. GT Estudos de Gênero RS
52. Feminismos nas Artes Visuais – UFU
53. Formação, Experiência e Linguagens ( FEL -UNEB)
54. Diadorim-Centro de Estudos de Gênero, Raça, Etnia e Sexualidade- UNEB
55. Literatura, Comunicação, Jornalismo e Universos Textuais das Culturas/USP
56. NuDES UERJ
57. Grupo de Estudos e Pesquisa Gêneros, Sexualidades e Diferenças nos Vários Espaços Tempos da História e dos Cotidianos (GESDI /UERJ)
58. Antropologia, Gênero, Saúde e Trabalho – AGEST
59. Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola/ GESE/FURG
60. Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social: Gênero, Política e Poder – GEPOS (vinculado ao CNPq/Ufam)
61. Formação, Experiência e Linguagem (FEL), UNEB Campus XIV.
62. Diversidade, Discursos, Formação na Educação Básica e Superior ( Difeba).
63. FEP – Universidade Federal da Bahia.
64. Grupo de pesquisa INDDHU – Infâncias, diferenças e direitos humanos, FE/UNICAMP
65. Impróprias – Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Diferenças (UFMS)
66. Gt gênero Anpuh RS
67. Rede Feminista de Itabuna
68. PPGCP/UFBA
69. GIDH / UFSM – Grupo de Pesquisa e Extensão em Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos
70. Grupo de pesquisa direito e sexualidades da Furg – Universidade Federal do Rio Grande
71. Núcleo de Estudos de Gênero / UFPR
72. Linguagem, Estudos Culturais e Formação do(a) Leitor (a) -LEFOR
73. LEPEL/UNEB
74. Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas Bahia
75. JEDS – Grupo de Pesquisa sobre Juventude, Educação e Sociabilidade – UEPa – Universidade do Estado do Pará
76. Coletivo TransAção/UFG
77. PPGE /UFPEL – D’ Generus
78. Marcha Mundial de Mulheres/FURG
79. APLB-Sindicato / GÊNERO e DIVERSIDADE.
80. Comissão da Mulher OAB Itabuna.
81. Centro Interdisciplinar de Estudos Grupais Enrique Pichon Rivière
82. NEABI/IFPR, Ivaiporã
83. Secretaria de Políticas Educacionais da CTB Nacional
84. Grupo de Pesquisa em Cultura Visual, Educação e Linguagens – Cult-Vi
85. Grupo de Estudos em Educação Científica- Universidade do Estado da Bahia
86. Grupo de Pesquisa Currículo, Escrevivências e Diferença/MPED – UNEB
87. D’generus Núcleo de Estudos Feministas e de Gênero- UFPel
88. NEPEI/ UFPR
89. InFemis/ UFSCAR
90. Núcleo de Estudo em Gênero e Sexualidade (NEGES/UFCG)
91. Grupo de pesquisa Diverso – Docência, Narrativas e Diversidade na Educação Básica
*Com informações do Portal Política Livre