A História queimada. Incêndio no Museu Nacional

A História queimada. Incêndio no Museu Nacional

O que se sabe sobre o incêndio no Museu Nacional, no Rio

Fogo destruiu o acervo com mais de 20 milhões de itens. PF investiga causas do incidente, que ocorreu após horário de visitação e não deixou feridos.


Um incêndio de grandes proporções destruiu o Museu Nacional, na Zona Norte do Rio, entre a noite de domingo e a manhã desta segunda-feira (3). Maior museu de história natural do Brasil, o local tinha um acervo de 20 milhões de itens, como fósseis, múmias, peças indígenas e livros raros.

Em seis horas de incêndio, 90% do acervo do Museu Nacional se perdeu
Em seis horas de incêndio, 90% do acervo do Museu Nacional se perdeu

O que se sabe sobre o museu e sobre o incêndio:

Causas da tragédia

  • Ainda são desconhecidas. A Polícia Federal vai investigar.

  • Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, falou sobre possíveis hipóteses, como curto-circuito e queda de balão.

Como o incêndio ocorreu

  • As chamas começaram às 19h30 do domingo (2), depois de encerrado o horário de visitação.

  • Ainda não se sabe em que local do museu o fogo começou.

  • Boa parte da estrutura do prédio era de madeira, e o acervo tinha muito material inflamável – o que fez o fogo se espalhar rapidamente.

  • Apenas quatro vigilantes estavam no local, mas eles conseguiram sair a tempo. Ninguém ficou ferido.

Como foi o combate às chamas

  • Os bombeiros chegaram ao local logo depois de iniciado o incêndio, mas, segundo eles, os dois hidrantes próximos ao Museu Nacional não tinham pressão suficiente.

  • O comandante-geral, coronel Roberto Robadey Costa Junior, disse que a falta de água atrasou os trabalhos em meia hora.

  • Bombeiros buscaram água de lago e precisaram pedir caminhões-pipa.

  • A Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae) disse que uma “equipe se apresentou no local para verificar a necessidade de apoio aos bombeiros […]. A Cedae disponibilizou carros-pipa que estão à disposição para uso dos bombeiros, mesmo com a região estando plenamente abastecida”.

  • O reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Lehrer, criticou a atuação do Corpo de Bombeiros: “Há reserva para água no museu. A própria equipe da prefeitura universitária e escritório técnico orientou os bombeiros onde buscar água. Tivemos certamente problemas de logística”.

  • O diretor do museu, Alexander Kellner, afirmou que o uso de água para apagar as chamas pode ter prejudicado o acervo.

  • A chuva durante a madrugada desta terça-feira (4) ajudou a apagar alguns focos de incêndio.

Museu Nacional abrigava o maior acervo da América Latina

Museu Nacional abrigava o maior acervo da América Latina

Riscos de desabamento

  • A Defesa Civil do Rio de Janeiro informou na segunda (3) que o local está interditado. Técnicos do órgão identificaram que “existe um grande risco de desabamento, que pode ocorrer com a queda de trechos remanescentes de laje, parte do telhado que caiu e paredes divisórias do prédio”.
  • Na área externa, no entanto, a avaliação destaca que “devido à espessura das fachadas, não há risco iminente”.

Por que o museu é importante

  • Criado por D. João VI em 1818, o museu completou 200 anos em junho deste ano. Era a instituição científica mais antiga do país.

  • Ele tem coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. Eram mais de 20 milhões de itens.

  • Foi lá que a princesa Leopoldina, casada com D. Pedro I, assinou a Declaração de Independência do Brasil em 1822.

  • Anos depois, também foi palco para a primeira Assembleia Constituinte da República, entre novembro de 1890 e fevereiro de 1891, que marcou o fim do Império no Brasil.

Museu Nacional tem acervo de 20 milhões de itens e era o maior museu de história natural do país (Foto: Reprodução/Museu Nacional)Museu Nacional tem acervo de 20 milhões de itens e era o maior museu de história natural do país (Foto: Reprodução/Museu Nacional)

Museu Nacional tem acervo de 20 milhões de itens e era o maior museu de história natural do país (Foto: Reprodução/Museu Nacional)

Tesouros do acervo do Museu Nacional

  • crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas.

  • Trono do rei de Daomé, presente dado por um rei africano a Dom João VI e um dos primeiros itens do acervo do museu.

  • Bendegó, meteorito de 5 toneladas que é o maior já encontrado no Brasil. Único item que ficou intacto após o incêndio.

  • Múmias e objetos egípcios raros comprados por Dom Pedro I e Dom Pedro II, que formavam a maior coleção egípcia da América Latina.

O que foi salvo do fogo

  • Meteorito Bendegó.

  • Parte da coleção de zoologia.

  • Biblioteca central do museu, outros minerais e algumas cerâmicas.

  • Herbário.

  • Departamento de zoologia de vertebrados.

  • Um crânio – que pode ser de Luzia.

O que foi perdido

  • Tudo que estava no prédio principal, exceto meteoritos.

  • Acervo mobiliário do 1º Reinado.

  • Peças herdadas da família imperial.

Problemas estruturais do palácio

  • O Museu Nacional estava em situação irregular junto aos bombeiros, segundo a corporação. “Há cerca de um mês a organização do Museu entrou em contato com nosso pessoal e teria conseguido recursos. Eles queriam se regularizar junto ao Corpo de Bombeiros, mas não deu tempo”, disse coronel Robadey.

  • De acordo com a vice-diretora, Cristiana Serejo, o local era extremamente frágil e não tinha portas corta-fogo.

  • O telhado foi restaurado há menos de quatro anos e a estrutura de madeira dele foi totalmente comprometida no incêndio.

  • A instituição vinha sofrendo com falta de recursos e tinha sinais de má conservação, como fios elétricos aparentes, cupins e paredes descascadas.

  • As condições precárias já estavam sendo investigadas pelo Ministério Público Federal havia 2 anos.

  • O especialista Marconi Andrade, do grupo SOS Patrimônio, disse que havia denunciado várias vezes o estado de abandono do local e que a fiação era muito antiga, revestida com tecido.

  • O Ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, disse à GloboNews que um contrato de revitalização do Museu Nacional foi assinado em junho, mas não houve tempo para que o projeto pudesse acontecer. Segundo ele, houve “negligência” em períodos anteriores.

Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)

Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)

Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)

Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)

Projeto de revitalização

  • A proposta do museu era retirar do palácio e levar para prédios anexos os materiais inflamáveis do acervo. São animais mantidos em frascos com álcool e formol.
  • De acordo com Luiz Fernando Dias Duarte, diretor-adjunto do museu, parte deste acervo inflamável já havia sido retirado, mas outra parte ainda estava lá.
  • O diretor diz que o projeto previa ainda a instalação de extintores, remodelação e modernização do prédio.
  • A liberação da verba de R$ 21 milhões, conseguida no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), ocorreria após as eleições para evitar sanções previstas na Lei Eleitoral.

Riscos de incêndio no prédio do Museu Nacional são investigados pelo MPF há dois anos

Imagens obtidas pelo G1 mostram má conservação do andar onde ficavam os quartos da Família real no museu. Documentos foram encaminhados à PF para serem anexados ao inquérito do caso.


Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)

Acesso aos quartos da família real no terceiro andar do Museu Nacional (Foto: Reprodução)

A Polícia Federal abriu inquérito para investigar as causas do incêndio no Museu Nacional na noite de domingo (2), mas as condições precárias do prédio já estavam sendo investigadas pelo Ministério Público Federal havia 2 anos.

Grades de ferro e divisórias. Infiltração no forro e gambiarras de fios que saíam da parede. No andar fechado ao público e onde se localizavam os quartos da Família Real, fotos obtidas pelo G1 mostram o descaso para o local.

As imagens integram uma das duas investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal (MPF), iniciadas, respectivamente, em 2016 e 2018, e que apuram às más condições do prédio histórico e o risco de incêndio.

Parte da documentação recolhida foi enviada para que a Polícia Federal juntasse ao inquérito aberto para apurar se há responsabilidade no incêndio do Museu Nacional.

Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)

Infiltração do forro centenário em um dos quartos da família real (Foto: Reprodução)

A primeira investigação foi iniciada em abril de 2016 e apura as irregularidades no sistema de prevenção e combate a incêndios nos museus do Rio de Janeiro. Já naquela ocasião, havia relatos da má conservação do prédio. A procuradora Solange Maria Braga pediu informações à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A única resposta foi o plano da instituição em modernizar o prédio e os controles contra incêndio ao acervo histórico. Já em 2016 existia o plano “200 anos do Museu Nacional” que foram comemorados neste ano.

O dinheiro foi obtido este ano em acordo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas a primeira parcela só seria liberada após a retirada de parte do acervo apontado por técnicos como inflamável, em sua maioria animais mantido em frascos com álcool ou formol.

Quadro deixado no chão do quarto que foi de D. João VI (Foto: Reprodução)Quadro deixado no chão do quarto que foi de D. João VI (Foto: Reprodução)

Quadro deixado no chão do quarto que foi de D. João VI (Foto: Reprodução)

Apesar das informações prestadas pela universidade não há no inquérito civil qualquer menção de medida prática tomada pelo MPF contra às más condições do museu. Questionado, o MPF não respondeu.

Já em 2018, outro procedimento foi aberto no MPF. Em 27 de julho passado, às 10h19, um arquiteto, que não se identificou, relatou às más condições do andar da família real, o terceiro do prédio histórico e ressaltar que o risco era iminente.

Três dias mais tarde, em dia 30 de julho, foi aberto no Ministério Público Federal um procedimento. O denunciante alertava para o “descaso na gestão do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista”.

Gambiarra de fio solto pendurado no quarto de D Joao VI (Foto: Reprodução)Gambiarra de fio solto pendurado no quarto de D Joao VI (Foto: Reprodução)

Gambiarra de fio solto pendurado no quarto de D Joao VI (Foto: Reprodução)

Na representação, o arquiteto pede celeridade às autoridades: “É urgente uma vistoria dos bombeiros! Principalmente no terceiro andar, para que se dê ciência à sociedade carioca e brasileira da real dimensão do risco que corre seu patrimônio”.

No texto, o denunciante relata também: “O Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista, que é um monumento singular no mundo, pois sediou a única Corte Europeia fora do continente, além de ser o local onde se pensou o Brasil, sua Bandeira, bem como a Constituição Republicana. Este acervo insubstituível no Brasil pode pegar fogo a qualquer momento, e é um milagre que isto ainda não tenha acontecido”.

E dispara contra os responsáveis pelo museu: “O descaso da gestão da UFRJ em seus imóveis pode ser muito bem representada pelo terceiro andar do Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista. Onde vê-se fios desencapados, gambiarras elétricas e cobertura de plástico inflamável em parte do telhado. Em tese, isso vai muito além desse quadro desolador, muitas vezes justificado por restrições orçamentárias, e demonstra uma atitude enraizada de descaso para com este imenso patrimônio de todos os brasileiros”.

Dois dias mais tarde, outro procurador, Jaime Mitropoulos, oficiou o Iphan e a Superintendência Regional do Patrimônio da União, dando prazo de 30 dias para que se manifestassem.

O único extintor à vista no terceiro andar do Museu Nacional, descaracterizado com divisórias (Foto: Reprodução)O único extintor à vista no terceiro andar do Museu Nacional, descaracterizado com divisórias (Foto: Reprodução)

O único extintor à vista no terceiro andar do Museu Nacional, descaracterizado com divisórias (Foto: Reprodução)

Em 2 de agosto, o procurador Antônio Augusto Soares Canedo Neto fez um despacho determinando que houvesse um pedido de mais provas ao denunciante, com informações, juntada de matérias jornalísticas e ainda “eventual demonstração da má manutenção do 3º andar do Museu Nacional e/ou inexistência de autorização/licença do Corpo de Bombeiros”.

O reitor da UFRJ deveria se manifestar sobre o da representação. Deveria apresentar cópia da autorização do Corpo de Bombeiro para funcionamento. O prazo para todas as respostas: 10 dias.

A Coordenadora de Relações Institucionais da UFRJ, Débora Alves Abrantes, enviou ofício aos procuradores do MPF dizendo que “ainda não foi possível, no prazo estipulado terminar o levantamento de todos os dados requeridos”. Pediu mais 20 dias de prazo. A defesa só foi recebida pelo MPF, às 12h50, do dia 20 de agosto.

Uma mulher reage ao ver o incêndio no prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite de domingo (2) (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)Uma mulher reage ao ver o incêndio no prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite de domingo (2) (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Uma mulher reage ao ver o incêndio no prédio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite de domingo (2) (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Dois dias mais tarde, outro procurador, Jaime Mitropoulos, oficiou o Iphan e a Superintendência Regional do Patrimônio da União, dando prazo de 30 dias para que se manifestassem.

Em 2 de setembro, o incêndio destruiu parte do acervo.

Procurada, na noite desta segunda (3), a UFRJ não se pronunciou sobre o tema.

Nesta segunda-feira, no Rio, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge divulgou nota em que afirmou que a situação no setor é resultado de “loteamento político”.

“O loteamento político de cargos de gestão da cultura, sem a necessária qualificação técnica, inviabiliza as possibilidades de sucesso nos projetos nacionais, regionais e locais. A perda é irreparável e a falta de estabelecimento de prioridades das políticas públicas na área cultural afetam não somente o Brasil mas toda a humanidade. A reconstrução do seu prédio apenas preservará o referencial arquitetônico daquele monumento, mas jamais os tesouros que compunham seu acervo”.

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