Novo Ensino Médio aumenta desigualdade e prejudica alunos pobres; APLB tem lutado contra implantação
O estudo “Novo Ensino Médio e indução de desigualdades escolares na rede estadual de São Paulo” aponta que a implementação do “Novo Ensino Médio” no Brasil, cujo governo comemora o pioneirismo, apresenta uma série de problemas. O trabalho foi divulgado por meio de uma Nota Técnica da Rede Escola Pública e Universidade (REPU).
A reforma curricular conhecida como “Novo Ensino Médio” estabeleceu uma estrutura curricular que elimina as disciplinas escolares a partir do 2º ano do Ensino Médio, substituindo-as por itinerários formativos que seriam, em tese, escolhidos pelos estudantes.
Os itinerários formativos representam um conjunto de disciplinas, projetos e oficinas que os estudantes podem escolher de acordo com seus interesses, aptidões e projetos de vida.
O novo estudo comparou as escolhas dos estudantes, registradas por intermédio de um questionário online de manifestação de interesse disponibilizado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), com a oferta efetiva dos itinerários nas escolas.
O resultado confirmou as previsões de inúmeros especialistas em educação críticos à Reforma do Ensino Médio, pois indica que a possibilidade de os estudantes, efetivamente, escolherem as suas trajetórias escolares é muito baixa.
“Temos chamado atenção para os retrocessos que o chamado Novo Ensino Médio impõe. Os prejuízos serão enormes para alunos e trabalhadores da Educação. Esta reforma, na prática, entre outros pontos negativos, restringe o acesso do estudante de escola pública a diversos conteúdos disciplinares, ao conhecimento, ampliando a desigualdade social e dificultando a preparação e o ingresso de jovens pobres ao mercado de trabalho e às universidades”, destaca Marilene Betros, coordenadora em exercício da APLB-Sindicato.
Ana Paula Corti, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), é uma das autoras do estudo.
Ela explica que “a metodologia utilizada pela Seduc-SP para a escolha dos estudantes foi inadequada: a realização de uma enquete online durante a pandemia e a partir de um instrumento de consulta extenso, inviabilizou o acesso dos estudantes a informações qualificadas para uma escolha realmente embasada sobre os itinerários formativos”.
Além disso, segundo ela, a obrigação de escolher um número grande de itinerários – quando, na verdade, os estudantes poderiam cursar somente um deles – provocou uma distribuição homogênea das “escolhas” na enquete, legitimando qualquer decisão possível a respeito da oferta dos itinerários nas escolas.
As análises também mostram que a variedade de itinerários formativos oferecidos depende muito mais das condições materiais das escolas (salas de aula disponíveis, equipes docentes) e de fatores relacionados à gestão escolar, do que da escolha individual dos estudantes.
Segundo o estudo, na prática, 1.327 escolas de Ensino Médio da rede estadual (35,9% do total) vêm oferecendo somente dois itinerários formativos para o 2º ano, o mínimo exigido pela Seduc-SP. Destas, 71,7% (25,7% do total da rede) oferecem exatamente os mesmos dois itinerários.
Portanto, a “liberdade de escolha” é especialmente menor nos 334 municípios paulistas que possuem uma única escola pública de Ensino Médio (51,8% dos 645 municípios do estado). Nestes, 50,3% das escolas possuem apenas dois itinerários formativos à escolha dos estudantes.
O estudo revela, ainda, um dado preocupante a respeito da distribuição da “liberdade de escolha” entre escolas com diferentes perfis socioeconômicos.
Estudantes com renda média e escolaridade da família mais elevadas têm, em geral, maior possibilidade de escolha de trajetórias escolares em comparação a estudantes mais pobres.
Débora Goulart, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que também fez parte da equipe responsável pelo estudo, comenta que “a retirada das disciplinas e a introdução dos itinerários formativos ampliaram as desigualdades escolares na rede estadual, oferecendo menos para os que mais precisam”.
Pesquisa conclui que mudanças tornaram Ensino Médio menos atrativo
Dois meses após o início do ano letivo, 22,1% das aulas dos itinerários formativos do Ensino Médio do 1º semestre de 2022 ainda não tinham sido atribuídas a nenhum professor.
Na prática, aponta a pesquisa, é como se os estudantes tivessem um dia letivo a menos por semana por falta de professores. No caso dos alunos dos períodos vespertino e noturno, a situação é ainda mais grave: 1,5 dias de aula a menos por semana.
A expansão da carga horária no Ensino Médio, outra promessa do Novo Ensino Médio aos estudantes, também foi acompanhada pelos pesquisadores.
Em 90,30% das turmas (13.314 turmas) do 1º e 2º anos da rede estadual, essa expansão está sendo feita a distância com a mesma plataforma utilizada para o ensino remoto durante a pandemia. Tanto para os estudantes do período noturno quanto nas escolas de perfil socioeconômico mais baixo, praticamente não existe expansão de carga horária presencial.
A pesquisa consultou, ainda, profissionais da Educação atuantes em 28 escolas de várias partes do estado, e constatou que a grande maioria dos estudantes matriculados na expansão a distância simplesmente não acessa a plataforma oficial.
Os professores consultados compararam a atual oferta regular do Novo Ensino Médio com a precária oferta emergencial de ensino remoto durante a pandemia.
Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), pesquisador que também assina o estudo, avalia que “a livre escolha prometida aos estudantes desde as primeiras propagandas em favor da Reforma do Ensino Médio, em 2016, serviu apenas para convencer a população de que o Novo Ensino Médio iria melhorar a qualidade da escola pública e torná-la mais atrativa aos estudantes. Na verdade, o que a pesquisa mostra é que a reforma vem piorando, significativamente, as condições dessa escola, sobretudo para os mais pobres”.
O que é a REPU
A Rede Escola Pública e Universidade (REPU) envolve professores/as e pesquisadores/as de universidades públicas (UFABC, UFSCar, Unicamp, Unifesp e USP), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e professores/as da rede estadual de São Paulo.
Desde 2016, a rede desenvolve estudos e pesquisas, com o objetivo de, segundo seus representantes, intervir no debate público e colaborar para a garantia do direito a uma educação de qualidade e que seja referência no aspecto social na rede estadual de ensino de São Paulo.