Volta às aulas: “Quem vai se responsabilizar quando o primeiro aluno ou professor morrer?”, questiona pesquisador da Universidade Federal do ABC

Volta às aulas: “Quem vai se responsabilizar quando o primeiro aluno ou professor morrer?”, questiona pesquisador da Universidade Federal do ABC

Fernando Cássio, pesquisador e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), vê “perversidade” na narrativa de algumas campanhas para retorno às aulas. 

Entre as famílias também não há unanimidade quando o assunto é retomar as aulas. Dados da pesquisa nacional “As escolas brasileiras no contexto do coronavírus”, feita a pedido da União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, e divulgada este mês, revelam que 73,7% dos pais e responsáveis se recusariam a enviar os filhos para as escolas caso elas reabrissem. Para 40%, o retorno deveria acontecer somente em 2021.

Entre os pais e responsáveis que não enviariam os filhos paras as escolas, 51,9% apontaram como principal motivo a indefinição sobre medidas preventivas que devem ser tomadas para preservar a saúde e 21,8% afirmaram que esperariam um pouco para saber como seria o processo.

O estudo ouviu 14.307 responsáveis por estudantes em 407 instituições de todo o país, desde a educação infantil até o ensino médio.

Cássio afirma que não há como garantir nem que as escolas privadas tenham as mesmas condições de lidar com a pandemia em seus ambientes.

“Há colégios de elite que estão recorrendo a parcerias com hospitais como o Albert Einstein [caso do colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo,  que contará com a equipe do hospital para a definição de um plano estratégico]. Essa não é a realidade da maioria das escolas de pequeno ou médio porte, com ensino apostilado massificado”, atesta. O desafio, certamente, é ainda maior quando alçado às redes públicas, que atendem mais de 80% dos alunos de ensino fundamental e médio do País, segundo dados da Pnad 2019, do IBGE.

“Estamos falando de 2,2 milhões de professores no País, sem contar os demais profissionais que estão diariamente dentro das escolas. Vamos fazer testagem em massa para que possamos colocar essas pessoas no front? Vamos contratar mais gente? Direcionar mais recursos para as escolas? Grande parte das escolas públicas já não garantiam sabonete e papel higiênico antes da pandemia, o que agora se soma à necessidade de desinfetante, álcool em gel e Equipamentos de Proteção Individual (EPI)”, avalia, referindo-se, sobretudo, a uma realidade mais comum aos alunos pobres e negros que vivem na periferia das grandes cidades.

“Quem vai se responsabilizar quando o primeiro aluno ou professor morrer?”, questiona. “Estamos discutindo uma retomada como se a pandemia tivesse sido superada, e sabemos que esse não é o cenário”, critica o pesquisador, que ainda avalia o cenário do ponto de vista do direito à educação.

“Se estamos falando de um direito que deve ser garantido a todos, o Estado – que é tão responsável pela oferta do ensino público quanto pela regulamentação do ensino privado – não pode aceitar qualquer diferenciação entre estudantes e profissionais da educação de escolas públicas e privadas. O sol deveria ‘brilhar’ para todos. Os professores e estudantes das escolas privadas vão ser expostos à contaminação porque os donos das escolas precisam manter seus negócios? E as escolas públicas? Vão abrir as portas porque uma ínfima parte de escolas de elite se sentem ‘prontas’ para o retorno?”, expõe.

“Muitas famílias trabalhadoras nunca pararam suas atividades e não têm sequer onde deixar os filhos. As pessoas não são contra a abertura das escolas por capricho, ou porque estão vivendo na fartura. As pessoas têm medo.”, problematiza.

Por fim, o educador reconhece que o fechamento inevitável das escolas traz perdas para todos. Um dos exemplos são as diversas dificuldades com o ensino remoto em todo o País.

“Mas não falo só de perdas de ‘aprendizagem’ medidas em testes padronizados. Há uma perda para a educação num sentido muito mais amplo, da socialização, dos afetos, da subjetividade, vai além das competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular, entende? Então veja, o ano letivo já está perdido. Cabe então se perguntar: vale a pena ir para a escola e colocar a minha própria vida e daqueles que eu gosto em risco?”, finaliza.

Fonte:  CartaCapital 

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