Repetência é bicho-papão na reta final do ano letivo

AMÉLIA VIEIRA
avieira@grupoatarde.com.br

A Bahia é, hoje, o Estado que detém o desabonador título de campeão brasileiro em repetência no ensino médio. Segundo dados do Ministério da Educação e Cultura (MEC), 27,2% dos alunos matriculados no ensino médio da rede pública em 2005 eram repetentes. O mais grave, entretanto, é verificar que a falta ou equívoco nas políticas públicas implementadas só têm contribuído para agravar a realidade da Bahia que, em 1981, tinha o quinto menor índice de repetência no cenário nacional, com uma taxa de 20,7%, perdendo apenas para os Estados do Amazonas (17,7%), Espírito Santo (18,1%), Ceará (19,6%) e Minas Gerais (20,4%).

Nos últimos cinco anos avaliados pelo MEC, por exemplo, houve uma piora progressiva: 19,5% (2001), 21,7% (2002), 20,5% (2003), 26,6% (2004) e, por fim, 27,2% (2005). A média do Nordeste neste último ano foi de 24,9% e do Brasil 22,6%. O panorama no ensino fundamental não difere. O MEC aponta para uma repetência de 32,5%, melhor apenas que Sergipe (32,6%). O índice é bem superior à média nacional (20,1%) e nordestina (27,9%).

O diretor de Educação Básica da Secretaria da Educação do Estado (SEC), Roberto Vieira, admite que a repetência no Estado é alta. Porém, rebate os dados apresentados pelo MEC. Segundo ele, a SEC calculou no ano passado 16,3% de repetência escolar no ensino fundamental e 9,2% no ensino médio.

“Não sei qual a metodologia que eles utilizaram para chegar a este número”, justifica Vieira.

POLÍTICAS – O presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação do Estado da Bahia (APLB), Rui Oliveira, contudo, se alinha com o MEC. “Temos o mais alto índice de repetência escolar do País, sim. Isto é culpa das políticas públicas implementadas nos últimos 16 anos”, acusa Oliveira. Para ele, a redução do tempo do aluno em sala de aula foi o pior agravante. Desde 1994, diz, se adotou a “promoção automática”, ou seja, proibição dos professores reprovarem os alunos da 1ª à 4ª série.

Da 5ª à 8ª série, por sua vez, lamenta o presidente da APLB, os estudantes eram submetidos à aceleração, que implicava fazer as 5ª e 6ª séries em um ano e as 7ª e 8ª em outro. “São alunos que chegam ao ensino médio sem saber escrever.

São marginalizados porque não sabem dividir 10 por 0,1 nem articular um parágrafo, como mostrou um estudo do MEC. Isso só contribui para a repetência e para a evasão”, diagnostica Oliveira.

Os problemas, no entanto, não param por aí. De acordo com o presidente da APLB, 52% dos estudantes do ensino médio estão matriculados no turno da noite. São pessoas que trabalham durante todo o dia ou estão desempregadas, o que faz com que tendam a faltar muito às aulas. Além desse desestímulo, fruto de problemas socioeconômicos, eles se deparam com colégios mal equipados e professores com qualificação deficitária. “Nas escolas da rede pública, no interior, há 15 mil professores com formação apenas em magistério lecionando no ensino médio. E em 85% das escolas públicas não há bibliotecas”, aponta Rui Oliveira.

“As escolas não se dão conta dos desafios da clientela. Para reverter essa situação, seria preciso um investimento maciço, especialmente para implantar o tempo integral.

Mas apenas 25% do orçamento é pouco. Teria que dobrar esse percentual.

Será que os governos têm essa condição?”, questiona a pedagoga e vereadora Olívia Santana, que preside a Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Vereadores de Salvador e foi autora do projeto que instituiu 2007 como Ano Municipal da Leitura, que tem A TARDE como parceira.

Ela ressalta que os investimentos em aprimoramento do equipamento escolar devem estar associados às melhorias das condições técnicas de formação do corpo docente e motivação do compromisso dos educadores. “Mas a sociedade deve compreender que a escola não pode resolver todas as necessidades dos alunos. Também é preciso haver uma estrutura familiar favorável que colabore com o sistema educacional”, prega.

“Eu só estou na escola por causa da minha mãe, que me obriga. Minha vontade é abandonar a escola”, afirma Jéssica Carvalho Santos, 16 anos, aluna repetente da 6ª série do Colégio Estadual Tenório de Albuquerque, em Paripe.

Para Rui Oliveira, a reversão do quadro da repetência na Bahia passa pela instalação de cursos em tempo integral; qualificação dos professores, viabilizando a graduação plena; e gestão democrática e eleições diretas de diretores.

Mas qualquer ação dificilmente terá êxito se, como diz o próprio professor Rui Oliveira, em tempos de data-show e Power Point uma parcela significativa das escolas públicas ainda vive a era do mimeógrafo a álcool.
Abandono escolar agrava o problema

O diretor de Educação Básica da Secretaria de Educação do Estado, Roberto Vieira, reconhece que os índices de repetência nos ensinos fundamental e médio da Bahia são altos e têm como agravante o abandono escolar. Ele destaca, contudo, que o poder público estadual estabeleceu uma estratégia para combater a repetência.

“Nossa perspectiva é proporcionar aos estudantes condições mínimas para exercerem sua cidadania”, explica Roberto Vieira. No período 2008/ 2011, anuncia, o governo vai investir recursos em ações que culminarão na redução da repetência, a exemplo de capacitação de professores, com formação continuada e qualificação dos que não têm nível superior.

Outra proposta é a orientação curricular. O Conselho Nacional de Educação elabora a Diretriz Curricular Nacional. À secretaria estadual de Educação caberia a adequação dessas diretrizes a cada região ou escola. “A orientação curricular dá um enfoque mais local, contextualizando com a realidade, o que estimula a aprendizagem, refletindo na diminuição da repetência”, destaca o diretor de Educação Básica da SEC. Ele indica ainda o caminho da autonomia pedagógica das escolas como forma de fazer das aulas momentos mais atraentes.

A SEC disponibilizou ainda 50 técnicos que iniciaram um diagnóstico das 1.753 escolas que integram a rede pública estadual. Condições físicas de aprendizagem, metodologia adotada pelos professores e sua formação, entre outros elementos que compõem o perfil da educação pública, nortearão as ações para evitar repetência e evasão.

DIAGNÓSTICO – No plano municipal, o secretário Ney Campello anuncia também um diagnóstico do sistema educacional, entre os meses de setembro e outubro, para avaliar quais problemas vêm afetando a qualidade do ensino em Salvador. A razão dos baixos índices nos indicadores do MEC, contudo, já são conhecidos.

“Nossos alunos não estão acostumados a fazer exames de múltipla escolha. No Prova Brasil, quando se deparam com este mecanismo, acabam cometendo muitos erros”, afirma Ney Campello. Por isso, a Secretaria Municipal de Educação fará simulados para treinar os estudantes da quarta e da oitava séries.

O secretário garante ainda que está investindo numa formação de professores voltada para o ensino-aprendizagem.

“Nossa política pública inclui incrementar a infra-estrutura, a tecnologia, promover o contato com a cultura e as artes.

Sabemos que o ambiente escolar é pouco atrativo. Temos realizado aulas públicas em praças e viabilizado idas a teatro cinema e museus” enumera.

Faltam carteira, água e até porta

Carlos Dias da Silva, de 15 anos, repetiu a 5ª série quatro vezes.

Para ele, faltou interesse pela escola. Agora cursa a 6ª série no Colégio Estadual Tenório Albuquerque, em Paripe.

Distante de ser uma exceção no seu grupo, ele espelha um quadro triste e comum entre os jovens baianos da rede pública de ensino. Abordados, todos, sem exceção, afirmaram que já perderam o ano.

“Em colégio público é assim: se você faz, tudo bem; se você não faz, problema seu”, sintetiza.

“Também me sinto desinteressada. Os professores não estão nem aí”, aguarda Tainan Driele Dórea, 13 anos, que perdeu a 3ª série e agora repete a 6ª. As carteiras estão quebradas, o telhado com vazamento, banheiro sem água, sem vaso ou porta. “Tem até rato”, reforça Elizângela Souza, 13 anos, repetindo a 6ª série.

No Colégio Maria Odette Python Raylan, em Paripe, a estrutura é lastimável. Segundo Ubiraci de Almeida, 38 anos, aluno do último ano do ensino médio, oito das 21 salas estão fechadas e com infiltrações. “O telhado ameaça cair. Ele conta que, apesar dos sacrifícios e da grande dificuldade que enfrenta, nunca perdeu o ano. Em 2007, no entanto, será diferente.

“Juntou a greve de 55 dias com esses problemas da escola. Senti que meu rendimento seria péssimo e não aprenderia nada.

Então, minha opção vai ser repetir o ano”, diz.

Espaço precisa ser mais sedutor
As causas da repetência são variadas, segundo a educadora Mary Arapiraca, vice-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Para ela, intervenções na área pedagógica podem surtir efeito. “Falta fôlego para sustentar os alunos em sala”, observa. Para isso, sugere, as escolas deveriam agregar os estudantes em torno de iniciativas culturais.

A luta contra a alta freqüência nos pátios em troca das salas de aula poderia ser enfrentada, aponta Arapiraca, com o estímulo à liderança e à autonomia, bem como com a valorização dos resultado dos trabalhos cotidianos. “Se os alunos fazem um trabalho como resultado da leitura de um livro, por exemplo, eles poderiam apresentar em outras turmas.

Ao sentir a repercussão, ele dará um valor maior e sentirá a importância do que ele fez”, ensina a educadora, que já ensinou em escolas públicas estaduais e municipais.

Outra sugestão, diz, é transformar os estabelecimentos de ensino em núcleos culturais, não só para estudantes, mas para seus familiares e vizinhos. “Escola é espaço público. E deve ser sedutor, atrair parcerias para atividades culturais, dinamizando o ambiente”, recomenda. Esse engajamento, além ajudar a reduzir a repetência, pode contribuir para a conservação do equipamento.

Matéria publicada no Jornal A Tarde do dia 10 de setembro de 2007

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