Mais de 125 anos depois da Lei Áurea, o racismo entre alunos do Ensino Fundamental chamou a atenção de Luiz Henrique Rosa, professor de biologia da Escola Municipal Herbert Moses, no Jardim América, Zona Norte do Rio. Assustado com a agressividade das crianças, Rosa pediu para que todos colassem no papel os apelidos que já tinham ouvido na escola. O resultado? Das mais de 400 terminologias catalogadas, cerca de 360 continham conteúdo racista, como “macaco”, “galinha de macumba” e “asfalto”.
No mesmo período dessa pesquisa, Rosa, entusiasta da história dos negros no Brasil, ficou impressionado com a falta de curiosidade pelo aniversário da Revolta de Vassouras, rebelião escrava ocorrida em 1838. Pressionado pelo racismo em sala de aula, de um lado, e o desconhecimento da cultura negra, de outro, o professor resolveu agir. Assim nasceu, no fim de 2009, o projeto “Qual é a Graça?”.
No quintal então abandonado da escola, Rosa pediu para que seus alunos escrevessem e colassem no muro os quase 200 nomes de escravos que participaram da revolta. O objetivo era que cada um “apadrinhasse” um cativo, a fim de estimular o sentido de responsabilidade. Cada estudante contribuiu com R$ 6 pelo pedaço de mármore. Depois, no mesmo espaço, Rosa fez os alunos cultivarem plantas e espécies ligadas à História do Brasil.
Da canela ao café, uma aula de história
O cultivo das plantas começa por especiarias como canela e noz-moscada. Em uma viagem no tempo, passa-se pelo pau-brasil, cana-de-açúcar e café. Para incutir nos estudantes o tempo de viagem entre Moçambique e o Brasil a bordo de um navio negreiro, o professor Luiz Henrique Rosa pediu para que eles plantassem e acompanhassem o ciclo da couve e da alface por 90 dias – o período em que um escravo sofria nos porões da embarcação. Para a viagem entre Brasil e Angola, pepinos e mostardas, que têm ciclos de 60 dias.
– Meus alunos olham para a planta e perguntam: “Ele ainda tá amarrado, professor?”, referindo-se ao escravo. Desse jeito consigo trabalhar com eles a dureza da escravidão e o desenvolvimento dos vegetais – explicou Rosa.
Nascido para combater o racismo, o projeto “Qual é a Graça?” ganhou contornos pedagógicos e agora é transdisciplinar, afirmou. Para ele, é impossível separar os conteúdos no jardim:
– Por que eu planto essa berinjela? Na biologia, para mostrar como as plantas nascem e se reproduzem. Já o professor de português pode botar uma plaquinha com o nome dela e lembrar que “berinjela” se escreve com “j”, não com “g”. O aluno nunca mais vai errar.
Sem apoio financeiro
Os trabalhos no jardim de Rosa não contam para a nota final do aluno, mas todos são incentivados a participar. E dá resultados. Aos 12 anos, a estudante Aretha Barra Mansa Nascimento era chamada na escola de “petróleo”. Hoje, com 14, ela diz que a iniciativa do professor ajudou a amenizar o clima entre as crianças, e agora atender apenas por Aretha no colégio.
– No começo os alunos mais velhos vinham aqui no jardim e destruíam as plantas, mas agora todos participam. Fora que é muito melhor aprender as matérias da aula na prática do que em um livro, dentro de sala – contou ela.
Em seus dois anos e meio de existência, o projeto nunca recebeu incentivos financeiros da Secretaria municipal de Educação. Segundo o diretor da escola, Renato Borges Giagio, um grupo de professores chegou a levar uma coleção de fotos e um relatório ao órgão para convencer os gestores, sem sucesso. Rosa calcula que o “Qual é a Graça?” já consumiu mais de R$ 6 mil da comunidade, entre professores, pais e alunos.
– Estamos fazendo a nossa parte, mas cadê a deles? A educação vai além da sala de aula, e quando se coloca amor, o resultado é isso aí – disse Giagio.
Situada entre as comunidades de Vigário Geral e Parada de Lucas, em 2011 a Herbert Moses teve nota 4.1 no Ideb, contra 4.7 da média nacional.
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