Por Leonardo Sakamoto – Por que só Decotelli seria punido se a mentira é instrumento deste governo?
Por Leonardo Sakamoto – Jornalista
Portal Uol Notícias
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Carlos Alberto Decotelli mentiu sobre ter um doutorado e um pós-doutorado e está sendo acusado de plágio por sua dissertação de mestrado. Mas o que desconcerta, a esta altura do campeonato, é o governo ter suspendido sua posse após tê-lo nomeado devido à repercussão negativa do caso. Pois isso levanta uma incômoda questão: por que esse comportamento apenas com ele?
É grave o caso? Sim, ainda mais para um ministro da Educação que não reconhece que errou. E a sociedade tem o direito de reclamar. Mas é grave também um monte de outras coisas envolvendo o alto escalão do governo Bolsonaro.
Todo governo mente. Mas neste, em especial, a mentira é usada pelo próprio presidente da República para reduzir a importância de uma pandemia que matou quase 60 mil pessoas, atacar adversários e a imprensa e tentar manipular a opinião pública. Levando isso em conta, Decotelli deveria receber um prêmio e não uma punição.
Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo, foi denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais, em outubro do ano passado, após a Polícia Federal indiciá-lo por envolvimento no laranjal do PSL. O esquema teria desviado recursos públicos através de candidaturas de mulheres de fachada nas eleições de 2018. Foi acusado de falsidade ideológica, apropriação indébita e associação criminosa. Continua no cargo.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa, acusado pelo Ministério Público de São Paulo de cometer fraude na elaboração de um plano de manejo com o propósito de beneficiar empresas de mineração e filiadas à Fiesp. A condenação saiu após ele ter sido indicado ao cargo, mas antes de ser empossado. Está lá, dando até sugestão de como aproveitar a crise do coronavírus para “passar a boiada”.
Se o governo pode manter ministros denunciados e condenados, além daqueles que colocam em risco nossa economia xingando parceiros comerciais (Ernesto Araújo) e ameaçando governadores e prefeitos de prisão (Damares Alves), por que não permitiu que Decotelli assumisse?.
Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro da Educação, também maquiou seu currículo acadêmico, colocando como suas obras de terceiros. Não caiu, nem deixou de assumir por causa disso. Aliás, o governo conta com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que poderia verificar as credenciais de um novo ministro, mas deve estar ocupada demais com a sociedade civil.
É inacreditável que alas do governo, como militares, afirmem estarem constrangidas com as fraudes do novo ministro. Não lembro ouvir constrangimento de fardados no momento em que o presidente usou ataque de cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, por exemplo.
Dizer que Bolsonaro, agora, é “Jair Paz e Amor” e quer uma relação pacificada com os Poderes Legislativo e Judiciário e, por isso, suspendeu a nomeação é tanto wishful thinking na conversão do presidente ao comportamento republicano que soa à Síndrome de Estocolmo.
Não estou defendendo Decotelli, ele que se responsabilize pelo que fez. Mas vale a pergunta: por que a suspensão de posse ocorreu justamente com o ministro negro apesar de suas práticas não destoarem de uma parte da Esplanada dos Ministérios? Talvez quase cinco séculos de história não resolvida, que moldaram nossas relações sociais, ajudem a explicar.