Olimpíadas de Paris 2024 – Mundo celebra, enquanto 27% das escolas públicas não têm quadras e materiais adequados para a prática desportiva
Quase 80% dos (as) professores (as) de educação física gastam do próprio dinheiro para organizar aulas
A abertura das Olímpiadas de Paris 2024, nesta sexta (26/07), levanta um ponto importante de reflexão na área da Educação, especialmente nas disciplinas de Educação Física: a falta de infraestrutura nas escolas públicas brasileiras para a prática desportiva. Denúncias graves revelam que 27% das escolas brasileiras não tem nem material e nem espaço. Dados do Censo Escolar da Educação Básica divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontam problemas em relação à essa estrutura. De acordo com relatório divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), escolas que possuem quadras e materiais adequados para as aulas de educação física somam apenas 40,6% das instituições de educação básica no Brasil.
A APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação acredita que o investimento em programas de desenvolvimento esportivo nas escolas pode garantir que o espírito olímpico e os benefícios associados ao esporte continuem a impactar positivamente as gerações futuras. Para o coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira, as Olimpíadas podem servir como inspiração e motivação para os jovens, além de estimular o interesse e a participação dos estudantes em atividades esportivas. Mas, destaca que para isso é necessário um maior investimento em infraestrutura das escolas, além de valorização profissional dos trabalhadores em educação.
“Sempre defendemos que educação não é mercadoria. É investimento no futuro do país. É urgente a melhoria da infraestrutura nas escolas. Além disso, é inadmissível que os professores, já sobrecarregados com suas responsabilidades diárias e enfrentando a desvalorização e descumprimento do Piso, sejam forçados a gastar do próprio bolso com recursos básicos para o ensino”, critica Rui. “Essa prática não apenas desrespeita os profissionais da educação, mas também compromete a qualidade do ensino. Os trabalhadores em educação merecem respeito e reconhecimento, e nossos alunos merecem uma educação digna e completa”, complementa.
Atletas Nascem nas Escolas
A relação entre esporte e educação é antiga, mas ainda deficitária. Diversos (as) atletas olímpicos iniciaram no esporte durante as aulas de educação física, na escola. Um estudo da Revista Brasileira de Ciência e Movimento, da Universidade Católica de Brasília, realizado por meio de um levantamento entre atletas olímpicos (as) brasileiros (as), revelou que, dos 433 atletas que participaram de jogos escolares, 43,4% deles disputaram uma Olimpíada, entre as edições de 1972 (Munique) e de 2016 (Rio). Quase metade! As modalidades que as escolas mais formaram foram ginástica rítmica (66,7%), atletismo (45,6%), judô (46,8%) e natação (32,5%). Os números revelam a importância das escolas na descoberta e formação de talentos esportivos. No Brasil, no entanto, essa parceria ainda é deficitária, especialmente nas escolas públicas, diante do quadro de visível falta de investimento em equipamentos e materiais para a prática do esporte.
Crise de Infraestrutura e sobrecarga
“Às vezes ele [professor] tem um local de prática, mas não tem bola, bambolê, cone, corda, não tem condições. Tem a quadra só, não tem rede, não tem nada. Então, 27% das escolas brasileiras não tem nem material e nem espaço. E isso é grave, porque o professor de educação física ou o pedagogo sem espaço e sem material não consegue organizar o conhecimento, o conteúdo no currículo”, avalia a professora de educação física e doutora em ciência do movimento humano Cassia Damiani.
Quase 80% dos professores de educação física já tiveram que comprar materiais esportivos para suas aulas com o dinheiro do próprio bolso. O dado é resultado de uma pesquisa inédita realizada pelo Instituto Península. O estudo demonstra as dificuldades para a prática esportiva nas escolas do Brasil.
“Essa pesquisa revela a sobrecarga do professor de Educação Física e mostra a necessidade de políticas públicas que valorizem o esporte educacional”, afirmou Daniela Kimi, diretora de Esportes e Pesquisa do Instituto Península.
Segundo 94,7% dos profissionais entrevistados para o levantamento, também são necessárias melhorias nos espaços para a prática esportiva nas unidades escolares. “Quando a estrutura disponível nas escolas brasileiras é precária, desperdiçamos o potencial do esporte para contribuir para o aprendizado e as habilidades socioemocionais das crianças e adolescentes”, explica Kimi.
O Instituto ouviu 3.032 professores, coordenadores, diretores e estudantes do ensino superior que trabalham ou estagiam em escolas da educação de todos os estados do país.
Valorização profissional
A especialista Cassia Damiani ainda lamenta a falta de valorização das aulas de educação física escolar. Para Damiani, isso compromete as habilidades físico-motoras e prejudicam as evoluções cognitiva e socioemocional de crianças e jovens. “Se nos faltar o acesso a esse leque imenso de dança, jogos, ritmo, esporte, se nos faltar isso na infância e na adolescência, nós teremos dificuldade de sistematizar teoricamente o nosso pensamento, porque o nosso psiquismo necessita de várias relações e aproximações, tanto com os seres humanos, porque é assim que nós nos tornamos humanos, quanto com o meio. E a prática, principalmente essa de aprendizagem na idade escolar, é que faz a mediação disso”, aponta Damiani.
O relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que analisa os dados do censo escolar, destaca a importância de se valorizar as aulas de educação física. Segundo o documento, “considera-se que a melhoria da infraestrutura nas escolas é uma das maneiras de fortalecer o papel do poder público e fomentar as práticas esportivas para crianças e adolescentes em idade escolar”.
Damiani ressalta que o acesso à cultura corporal é uma responsabilidade do poder público. “É dever do Estado cumprir com a determinação de educar as crianças e adolescentes, desde a tenra idade até o ensino médio”, analisa.