O movimento épico dos malês em 1835, em Salvador
A historiografia oficial ensina que não houve lutas de escravos e que estes foram dóceis diante da opressão do sistema escravista. É daí que surge a primeira falta de compreensão sobre o real papel do negro no processo de desenvolvimento do Brasil.
Nesse sentido, cabe aos militantes da causa negra no Brasil trazer para o campo do debate a história real do Brasil, principalmente entre os profissionais em educação que exercem esta nobre função de ensino e aprendizagem.
No dia 24 de janeiro de 1835, eclodiu em Salvador uma rebelião épica de escravos. Era a Revolta de Malês. Ela teve uma particularidade, que reside exatamente no fato de que, pela primeira vez, um movimento de escravos se desencadeou em área urbana. Devido à magnitude do movimento, foi promovida pelos parasitas do poder uma repressão violenta. Os negros que organizaram o levante revolucionário, na sua maioria vieram do norte da África, sabiam ler, escrever e desenvolviam cálculos matemáticos de grande complexidade. Eles pertenciam a diferentes etnias como: nagôs, haussás, calabares, tapas e congos, e muitos deles professavam a religião muçulmana, o islamismo.
Esta rebelião eclodiu na Ladeira da Praça, onde surgiram os primeiros confrontos. Seu término, depois de uma batalha onde correu muito sangue, foi na antiga Feira da Água de Meninos, onde hoje é a Feira de São Joaquim. Nessa batalha houve baixas, prisões expressivas, como a do líder Pacifico Licutan, Elesbão, Manoel Calafates e Belchior. Estes foram condenados a levar 600 chicotadas, já os condenados a morte foram Francisco Gonçalves, Joaquim e Pedro, todos escravos. O fuzilamento foi marcado para o arrabalde do Campo da Pólvora, onde hoje é o Fórum Rui Barbosa.
Algumas questões nos chamam a atenção, como: a antecipação da insurreição, fruto da delação da negra Guilhermina ao seu patrão e ao governo da Província da Bahia; a intenção de fazer a luta para tomada do poder político e econômico; assim como o caráter ideológico da revolta. Nessas questões existem polêmicas entre os historiadores sobre se os negros queriam implantar um Estado Islâmico, uma vez que boa parte dos lideres da rebelião era de muçulmanos. Outra questão merecedora de atenção é o fato dos executores não quererem enforcar os guerreiros Malês, preferiram fuzilá-los.
Este acontecimento histórico é uma demonstração cabal do negro como sujeito na história. Serve para reflexão de todos nós, comprometidos com a verdadeira e real história do Brasil.
Discutir temas como esses com os alunos, na sua maioria negra, será de grande valia para sua autoestima, pois despertará neles o orgulho de pertencer à raça negra, que contribuiu, e muito, para o desenvolvimento desse país, e em toda diáspora africana. Portanto, os Malês, há 400 anos, queriam transformar esta nação, em um país igual para todos.
Nivaldino Felix
Diretor de Imprensa da APLB-Sindicato
Pesquisador, educador, poeta e contista