Novo presidente da Comissão de Educação, Nikolas Ferreira nunca apresentou projeto sobre o tema
*Fonte Folha de São Paulo
Nenhum dos sete projetos de lei apresentados na Câmara pelo novo presidente da Comissão de Educação da Casa, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), tratam do tema que é o foco do colegiado. O parlamentar é conhecido pelo apoio ao bolsonarismo e defesa de pautas ideológicas, o que, segundo interlocutores no Congresso e do governo, pode nortear suas atividades no cargo em detrimento de pautas importantes.
O coordenador-geral da APLB-Sindicato, Rui Oliveira lamenta e vê com preocupação a escolha do atual presidente da Comissão de Educação. “Eu classifico como um grande retrocesso que pode afetar pautas importantes na Educação do país”, pontua Rui.
Para a direção da APLB assuntos que precisam de muita discussão podem ficar prejudicados por uma pauta arcaica que ele indica, além de não ser uma pessoa da área, que não tem conhecimento sobre o tema.
O deputado foi indicado por seu partido para presidir essa comissão permanente da Câmara, o que foi efetivado na quarta-feira (6). O colegiado é responsável por, no trâmite regular, apreciar projetos de lei sobre o tema, promover debates e convidar especialistas e políticos —é recorrente que ministros da Educação e dirigentes de órgãos ligados à pasta tenham de prestar esclarecimentos.
Há receio entre parlamentares envolvidos com o tema de que discussões ideológicas sequestrem as atividades da comissão e prejudiquem a análise de matérias importantes para a área. Por isso, a visão entre eles é que a falta de conexão do deputado com a discussão sobre os desafios da educação possa impactar os debates.
Alguns parlamentares classificam o novo presidente da comissão como inimigo da educação pública, diversa, plural e democrática. Defensor de uma discussão reduzida a falsos debates ideológicos que quer esconder o verdadeiro projeto de censura, de exclusão e de discriminação, de criminalização dos professores e da privatização da educação. Além de considerar uma vergonha termos um deputado presidente da Comissão de Educação condenado em segunda instância por discurso transfóbico, réu por crime de transfobia contra uma criança de 14 anos e que defende o negacionismo antivacina.
Segundo o Jornal a Folha de São Paulo, no ano passado, a Justiça em Minas Gerais acatou denúncia do Ministério Público contra o parlamentar por intolerância por identidade ou expressão de gênero. A denúncia foi feita em julho de 2022, depois de o então vereador por Belo Horizonte mostrar nas redes sociais parte de um vídeo sobre uma aluna trans de 14 anos no banheiro de uma escola particular da capital mineira —o registro foi feito pela irmã da aluna, também adolescente.
Em fevereiro de 2023, a Justiça em Minas Gerais já havia aceitado outra denúncia contra o parlamentar, apresentada pela deputada federal Duda Salabert (PDT), que é mulher transexual, por injúria racial. Em abril o deputado foi condenado, em primeira instância, a pagar R$ 80 mil a Salabert.
Um novo formato para formação de professores e melhorias para a carreira, ensino médio, sistema nacional de educação e recomposição dos orçamentos das universidades federais são alguns dos temas que parlamentares colocam como prioridade para as discussões na comissão.
A composição de um novo PNE (Plano Nacional de Educação) será um dos maiores desafios legislativos para o governo a partir deste ano. O plano elenca metas educacionais para o prazo de dez anos, e o atual vence neste ano. O MEC (Ministério da Educação) deve encaminhar uma proposta de texto em breve. Ainda não é possível saber se ele passará pela comissão de educação.
Quando o PNE em vigência foi definido, em 2014, uma mobilização de políticos e militantes de direita conseguiu retirar do texto metas e estratégias relacionadas à igualdade de gênero, por exemplo.
Apesar de não dedicar atenção à educação nas suas poucas propostas de novas leis, Nikolas Ferreira tem feito coro ao discurso de que haveria doutrinação ideológica de esquerda em escolas e faculdades. Ele é vice-presidente de uma frente parlamentar, articulada pelo seu partido, que tem esse objetivo.
Há um consenso entre educadores, especialistas e formuladores de políticas públicas de que essa suposta doutrinação não se configura como um desafio real da educação pública, mesmo que haja casos pontuais.
A exploração de um viés ideológico é uma das marcas de políticos de direita quando o tema é educação. Essa foi uma das características do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma suposta sexualização precoce que seria encampada em escolas é outro ingrediente comum nesse meio.
Uma das facetas legislativas desse discurso é o projeto Escola sem Partido, que defendia limitar o que os professores podem falar em sala de aula. Os parlamentares de direita que encampam essa ideia nunca conseguiram um avanço no Congresso. Em 2018, uma comissão tratou a matéria, mas encerrou os trabalhos sem conseguir votar.
Houve tentativas de retomar a pauta durante o governo Bolsonaro, mas também sem sucesso. O principal motivo foi decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou inconstitucional limitar o que o professor pode falar dentro da sala de aula por princípios como a liberdade de cátedra.