IMPACTOS DA DESVALORIZAÇÃO – Menos da metade dos professores do país tem pós ou faz formação continuada
Para especialistas, condições precárias do trabalho docente prejudicam busca por qualificação
Menos da metade dos professores da educação básica do país tem pós-graduação ou fez algum curso de formação continuada para atuar em sala de aula. A proporção de docentes com mais qualificação cresceu no Brasil na última década, mas ainda não alcança as metas que foram previstas. Para a APLB-Sindicato essa realidade tem um grave impacto na Bahia, fruto da desvalorização do magistério pelo governo do estado. Exemplos desta desvalorização são as diversas dificuldades e desafios enfrentados pela categoria como a demora e atrasos na concessão da Gratificação de Estímulo ao Aperfeiçoamento Profissional (GEAP), a precariedade de um Plano de Carreira defasado, o descumprimento do Piso, condições precárias de trabalho, entre outras questões, que impossibilitam e invalidam todo um esforço do profissional em educação.
Dados do Censo Escolar, feito pelo governo federal, mostram que, em 2023, 41,7% dos professores tinham feito alguma formação continuada. Em 2013, esse percentual era de 30,6%. O Plano Nacional de Educação estabelecia que o país deveria ter como uma das estratégias para melhorar a qualidade do ensino no país 100% dos profissionais da educação básica com cursos de formação continuada até 2024.
O levantamento federal considera como formação continuada cursos com carga horária mínima de 80 horas em áreas que abordem, por exemplo, educação especial, educação ambiental, educação em direitos humanos, gênero e diversidade sexual, relações étnico-raciais e gestão escolar. “Equivocadamente, a gente encara a formação inicial [as licenciaturas] como suficiente para preparar o professor para dar aula, mas ela não é e nunca foi. A docência exige que o professor reflita o tempo todo sobre os desafios que encontra em sala de aula. A formação continuada serve para que ele possa discutir com seus colegas e encontre soluções para essas questões”, afirma Débora Vaz, diretora do colégio Santa Cruz, em São Paulo.
Os resultados do Censo mostram também que, em 2023, 48,1% dos professores tinham pós-graduação (lato ou stricto sensu). Percentual bastante acima do registrado dez anos antes, quando era 30,2%, e próximo da meta estabelecida pelo PNE, que previa ter metade dos docentes com esse nível de qualificação.
Os dados, no entanto, revelam que o aumento ocorreu pelo aumento de professores que fizeram especializações —o percentual passou de 28,4% para 43,7%. Enquanto isso, o número de docentes com mestrado ou doutorado permanece baixo, 3,3% e 1%, respectivamente.
Desvalorização
Para especialistas, o baixo número de profissionais com formação continuada é um reflexo das condições precárias de trabalho dos docentes. Com baixos salários, excesso de trabalho e sem vínculo efetivo com as escolas, falta aos professores tempo e oportunidade para fazer a formação. “O professor dá aula em mais de uma escola, tem centenas de alunos, está preso a uma série de burocracias. Não sobra tempo nem disposição para fazer cursos para aprimorar sua formação e prática”, diz Micaela Gluz, coordenadora do Instituto Cultiva e especialista em gestão educacional pela USP.
Precarização docente e evasão escolar
Os dados mostram ainda que o cenário é mais desafiador nas escolas particulares, onde apenas 33,6% fazem formação continuada. O melhor índice é verificado nas redes municipais (49,2%), seguido pelas redes estaduais (36,6%) e a rede federal (36,2%). “Esses dados nos fazem refletir que a precarização da profissão docente acontece em todos os níveis e esferas, inclusive na rede privada”, diz Ednéia Gonçalves, coordenadora da ONG Ação Educativa.
As especialistas também destacam como a ausência de formação continuada tem efeitos mais severos sobretudo para grupos que já são excluídos ou mais prejudicados no ambiente escolar, como os alunos com deficiência, negros e mais pobres. Segundo os dados do Censo Escolar, 93,9% dos professores da educação básica não fizeram formação continuada para atuar com a educação especial. Esse índice é praticamente o mesmo de uma década atrás, ainda que o número de alunos com deficiência tenha mais do que dobrado no período. “Quando o professor não tem oportunidade de se especializar e refletir sobre as estratégias para atuar com alguns estudantes, nós estamos aumentando o risco de evasão escolar. Os docentes querem ter um espaço para falar sobre essas questões que são importantes no seu dia a dia, mas não encontram tempo para isso dentro da escola”, diz Gonçalves.
Para ela, além de a oferta de formação continuada não atingir todos os professores, é preciso pensar também em como esses cursos são definidos, já que muitas vezes eles são pensados pelas secretarias de ensino sem dialogar com os problemas encontrados em sala de aula. “A formação continuada de qualidade é aquela que dialoga com os desafios de cada unidade, de cada turma para o qual o docente dá aula.”
O Censo Escolar mostra que houve aumento do percentual de professores com formação continuada em todas as unidades da federação, com exceção de São Paulo. Juntas, a rede paulista e as redes municipais do estado tinham 25,1% dos docentes com formação, em 2013, mas esse percentual caiu para 19% dez anos depois. As redes de ensino do Sudeste também são as que têm menos oferta de formação, atingindo apenas 29,4% dos docentes. Na região sul, esse percentual chega a 61,5% e no nordeste a 47,2%.
Para as especialistas, essas diferenças mostram que a dificuldade em ampliar a formação continuada não está na falta de recursos financeiros das redes, mas no interesse dos gestores e na oferta de condições para que os docentes possam acompanhar os cursos.
Fonte: Folha de São Paulo