Em pesquisa realizada por Cesop/Unicamp e Datafolha maioria defende que escola discuta pobreza, direitos e desigualdade
Fonte: Cenpec
Embora a ideia de que educadoras(es) falem de política na sala de aula divida opiniões, a grande maioria das pessoas concorda que a escola deva discutir temas como pobreza, desigualdade e os direitos das(os) estudantes.
É o que revela a recente pesquisa nacional Educação, Valores e Direitos, coordenada pelas organizações Ação Educativa e Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), e realizada pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e Instituto Datafolha, com recursos do Fundo Malala.
Quando perguntadas se professoras(es) devem evitar falar de política na sala de aula, 56% das 2.090 pessoas de todo o país entrevistadas disseram concordar. No entanto, a abordagem de pobreza e desigualdade social tem apoio de 93%, mesmo índice dos que disseram que professoras(es) devem ensinar às(aos) estudantes o que fazer quando seus direitos não são respeitados.
A aparente contradição é compreensível devido à descrença com o sistema político-partidário, como analisa Romualdo Portela, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec. “Apesar disso, quando trazemos questões concretas, como as desigualdades sociais e o acesso a direitos, a população entende que é papel da escola fazer esses debates. Os dados reforçam que uma educação crítica e democrática, que contribua para a formação cidadã de seus estudantes, tem um grande respaldo social”, diz.
O educador Paulo Freire, que tinha a educação crítica como um dos pilares da sua prática pedagógica, já dizia que política é um assunto intrínseco à Educação. Como lembra Regina Estima, pedagoga e pesquisadora em educação:
“Um dos principais princípios da pedagogia freiriana é o tripé história – política – pedagogia, que caminham juntos e são inseparáveis. Ou seja, toda ação educativa é política”.
Pautas conservadoras não tem respaldo na sociedade
A pesquisa foi produzida no âmbito de uma articulação da sociedade civil que vem atuando há anos no enfrentamento ao fenômeno da censura, perseguições e autocensura nas escolas, promovidas por movimentos ultraconservadores.
Esses grupos, por sua vez, são orientados à manipulação e disseminação de informações falsas e preconceituosas – principalmente em períodos eleitorais – estimulando o pânico moral, em especial, com relação às agendas de igualdade de gênero, sexualidade e raça, atacando a democracia e os princípios básicos de uma educação crítica e dialógica.
Denise Carreira, integrante da Ação Educativa e da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala e uma das coordenadoras da consulta popular, explica que “os resultados da pesquisa trouxeram esperança ao revelar que a população não está abraçando esse discurso autoritário do jeito que esses movimentos ultraconservadores costumam alardear. A grande maioria da população defende uma escola crítica, que prepare seus filhos para a vida, que discuta direitos e que aborde as agendas da igualdade de gênero, da educação sexual e do enfrentamento do racismo e de outras desigualdades, como forma – inclusive – de proteger crianças, adolescentes e jovens da violência, discriminação e abuso sexual”.
Divulgados em partes, os resultados da pesquisa nacional mostram ainda um amplo apoio para que questões raciais e de gênero sejam tratadas nas escolas:
– 89% das pessoas entrevistadas concordam com a discussão sobre desigualdades entre homens e mulheres;
– 82% entendem que a escola deve promover o direito de as pessoas viverem livremente sua sexualidade, sejam elas heterossexuais ou LGBTs;
– 91% são favoráveis à discussão sobre a discriminação racial;
– 81% defendem a inclusão de estudantes com deficiências em escolas regulares.
Retomada da pauta de direitos nas eleições de 2022
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou diversas leis que censuraram a atividade docente, entre elas a Lei Escola Livre, de Alagoas, que vedava o que chamou de “doutrinação ideológica” por parte do corpo docente ou da administração escolar. Para a corte, a imposição de uma pretensa neutralidade tem como propósito constranger e perseguir pessoas que eventualmente sustentem visões críticas ou que se afastem do padrão dominante.
Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC, explica como os defensores das pautas conservadoras agem:
“O Movimento Escola sem Partido e outros grupos ultraconservadores criam deliberadamente uma confusão entre a abordagem de temas políticos e o que chamam de ‘doutrinação ideológica’, com o objetivo de atacar a educação e restringir o direito de estudantes a acessar informações e conteúdos essenciais ao direito à educação. As decisões do STF reafirmam isso”.
Denise Carreira lembra que, no contexto eleitoral que vivemos hoje, os resultados da pesquisa fazem um alerta e um chamado às forças democráticas:
“Não sucumbam às ameaças e as chantagens de grupos ultraconservadores. Há espaço junto à população para a retomada de uma agenda pró-direitos, que promova uma educação de qualidade, que enfrente desigualdades e comprometida com os direitos das meninas e mulheres, pessoas LGBTQIA+, negras, indígenas e com deficiências, entre outros grupos discriminados”.