Brasil: Proclamação da República – de Deodoro a Bolsonaro

Brasil: Proclamação da República – de Deodoro a Bolsonaro

O que mais se falou na reta final da campanha eleitoral de 2018 foram as, agora, famosas fake news. No entanto, se nos detivermos num estudo mais apurado da História do Brasil, veremos que esta prática não é inédita, só que era conhecida por outro nome. Pesquisas recentes e livros contemporâneos revelam que a Proclamação da República, em 1889, por exemplo, foi precipitada por uma fake news.

Só que em vez de usar o WhatsApp, as pessoas tinham que ir pessoalmente às ruas para espalhar os boatos falsos. O local preferido era a Rua do Ouvidor, uma das principais da capital (Rio de Janeiro) do Império brasileiro.

O historiador e jornalista Laurentino Gomes nos conta que no dia 14 de novembro de 1889 rumores foram plantados de forma proposital na Rua do Ouvidor – que na época funcionaria como uma espécie de Twitter ou WhatsApp de hoje – pelo major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro do escritor Euclides da Cunha

A ideia era deixar ainda mais pesada uma polarização que existia entre os imperialistas e os republicanos.

Os boatos diziam que o governo do Visconde de Ouro Preto (1º ministro do imperador Pedro II) decidira prender o marechal Deodoro da Fonseca e as principais lideranças do movimento republicano. O objetivo, obviamente, era indispor os militares contra as autoridades imperiais.

Seria mais ou menos o que aconteceu em 2018 entre os eleitores dos candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Em 1889 os militares deram um golpe e derrubaram o Império.

Da Rua do Ouvidor o boato rapidamente chegou aos quartéis e colocou em andamento a máquina da revolução que derrubou a monarquia na madrugada de 15 de novembro de 1889.

A história da Proclamação da República que conhecemos não é tão bonita como nos ensinaram. Sejamos mais realistas com os fatos, Manuel Deodoro da Fonseca cresceu num meio monarquista, ideias monarquistas, seu pai era membro do Partido Conservador. Tudo que Deodoro foi, ele deve ao sistema monarquista. Entrou com 16 anos para a vida militar, não teve filhos – diziam que era estéril – mas adotou seu sobrinho Hermes da Fonseca (Marechal, 9º presidente da República) como filho.

Como sua família era toda militarizada, além de Manuel, outros sete irmãos lutaram na Guerra do Paraguai, três morreram na Bacia do Prata. E foi lá que Manuel Deodoro da Fonseca teve sua carreira militar acelerada, todas as condecorações por bravura e tudo mais foram conferidas a ele. Deste modo, ganhou a confiança do imperador Dom Pedro II, criando uma relação de fraternidade com o monarca.

Com a simpatia do imperador, Deodoro da Fonseca foi também presidente da província de Mato Grosso, foi governador da Bahia e comandante das armas das províncias da Bahia e Pará. Deodoro da Fonseca se tornara em meados de 1887, a maior representação militar brasileira. Sendo respeitado e admirado pelas Forças Armadas de então.

 

A Guerra

De acordo com o livro de Leandro Narloch (Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil), após a Guerra do Paraguai, o tempo fechou para o Império brasileiro. Os grandes cafeicultores estavam possessos com o governo, pois com a abolição da escravatura eles tinham perdido rios de dinheiro. O Brasil naquela época, estava atolado em empréstimos. Tais dívidas foram contraídas de bancos nacionais – pelo menos grande parte do dinheiro que financiou o armistício na Bacia do Prata -, e não mais como antes, quando o Brasil se endividou com a Inglaterra e demais barões do tráfico de escravos.

“O dinheiro gasto do confronto com o Paraguai foi onze vezes maior que o orçamento de um ano da administração pública. Foi dessa forma que a guerra foi decisiva para os planos republicanos. E não como vimos nos livros de história da nossa infância. O prejuízo impediu que o governo indenizasse, 20 anos depois, os donos de escravos, abalando a monarquia”.

“Dos 614 mil contos de réis gastos na guerra, 349 mil contos vieram de empréstimos e da emissão de títulos públicos. Apenas 8% eram de empréstimos externos”, completa o jornalista Leandro Narloch.

Tendo também como pano de fundo a Guerra do Paraguai, o historiador Eduardo Bueno cita um personagem importante da derrocada da República. Benjamim Constant, um republicano nato. Também militar como Deodoro, lutou no Paraguai, mas sem ímpeto. “Constant não gostava da vida da Caserna e nem andava fardado. Para ele, o Império maltratava o Exército, aí ele foi ser professor na Escola do Exército da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Lá, ele encontrou jovens com ideias como a dele. Jovens tenentes – os científicos – que queriam novos dias para o Brasil”.

Em cartas descobertas após a Guerra do Paraguai, Benjamim Constant descrevia sua ojeriza ao conflito e se referia à guerra da seguinte maneira: “Espero que essa porcaria de conflito logo termine…”, citou trecho de carta.

Por meio deste desdém com a vida militar, Constant, como homem letrado e apaixonado por matemática se refugiou na Academia Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. E lá ele se uniu a jovens tenentes, oficiais de baixa patente com ideais revoltosos, pois segundo eles, o Império não tratava o Exército, os militares, por assim dizer de modo digno.

De acordo com Eduardo Bueno, os militares da época eram mal remunerados e desvalorizados diante da Corte. Juntando A mais B, a revolta dos jovens militares com o ranço de Constant, eles fundam o grupo batizado de “Os científicos”. Entretanto, eles necessitavam de algo mais para conspirar fortemente contra a Coroa. É aí que entra o alagoano Deodoro da Fonseca.

Aí você pergunta o que Constant, um republicano de marca maior, tem com Deodoro, um monarquista por ideologia? É que o marechal fazia parte da chamada turma dos ‘Tarimbeiros’, oficiais que começaram das mais baixas patentes do Exército e subiram na vida por merecimento, lutando em guerras e levantes por todo o território nacional. No entanto, para os ideais da República crescerem, era vital a união entre Deodoro e Constant –, eram amigos. A união entre os científicos e o tarimbeiros seria fatal para a combalida saúde do Império brasileiro. Dom Pedro II já não gozava de tamanha simpatia.

Dizia assim uma carta enviada por Deodoro da Fonseca a um sobrinho – possivelmente o marechal Hermes da Fonseca, em 13 de setembro de 1889: “República no Brasil é coisa impossível, porque será uma verdadeira desgraça. Pois o único sustentáculo do Brasil é a monarquia. Se estamos mal com ela, pior sem ela”.

Segundo o historiador Eduardo Bueno, no dia em que Deodoro proclamou a República Verde-Amarela, o marechal estava bem doente. “O sol nem tinha raiado direito naquela manhã de 15 de novembro de 1889”, explicou o historiador.

E a cena que se sucedeu foi a seguinte, relata Eduardo Bueno. “Benjamim Constant – um científico – tentou comandar as tropas revolucionárias até o Quartel Geral do Exército, no Rio de Janeiro, porém como ele nunca tinha sido um militar de caserna, foram chamar seu amigo Deodoro da Fonseca. A tropa estava perdida. A infantaria desordenada, a cavalaria sem comando, os fuzileiros nervosos. Uma verdadeira zorra. Deodoro então liderou as tropas até o Quartel Geral”.

Outros historiadores contam que informaram a Deodoro que o 1º ministro, o Visconde de Ouro Preto, teria pedido a prisão de Deodoro por mentira conspiratória. “Chegando no Quartel, Deodoro viu o Visconde de Ouro Preto reunido com o ministério. Logo, o marechal Deodoro da Fonseca destituiu o 1º ministro, mas o imperador, seu amigo, continuava no cargo, tinha acabado de chegar de uma viagem da Europa”, ressalta Eduardo Bueno.

Sofrendo de fortes dores no peito, cansaço e desanimado, Deodoro então retornou à sua casa e foi descansar em seu quarto. 

No período da tarde, os conspiradores retornaram à residência do marechal e disseram-lhe que um grande inimigo seu havia assumido o cargo de 1º ministro (Deodoro havia destituído o Visconde de Ouro Preto). Mas era fake news, boato mentiroso.

 

Boato

Só que o boato foi espalhado e, eles próprios – os republicanos – foram à residência de Deodoro e deram a informação como verdadeira: Gaspar Silveira Martins fora nomeado 1º ministro do Império.

Isso – relatam historiadores – revoltou Deodoro da Fonseca. Os livros não contam, mas cartas, e relatos da época lembram que Manuel Deodoro da Fonseca e Gaspar Silveira Martins teriam disputado o amor de uma mulher. Essa era a origem da inimizade entre os dois.

Acordado pelos republicanos – fofoqueiros – que foram transmitir tal informação da nomeação de Gaspar Silveira Martins, Deodoro ficou irado. Na verdade nada tinha de certo, Gaspar não fora nomeado pelo imperador Dom Pedro II. Os fofoqueiros queriam era que Deodoro tomasse as rédeas do poder e acabasse com a falida monarquia.

Então, como se fala que o grito do Ipiranga foi balela, invenção para provocar o ímpeto nacionalista no brasileiro tão descrente, o mesmo aconteceu com a proclamação de nossa República.

Sem suntuosidade alguma, Deodoro da Fonseca, de pijamas mesmo, disse: “Digam ao povo que a República está feita”. Assim, a República brasileira nasceu de um golpe militar sob a luz do positivismo, do científico Benjamim Constant, orquestrado na Academia Militar da Praia Vermelha.

Então às 15 horas do dia 15 de novembro de 1889 é lavrada na Câmara Municipal do Rio de Janeiro a declaração de Proclamação da República. Só a partir daí o Brasil passa a se unir às demais repúblicas sul-americanas. Deodoro se torna o primeiro presidente e outra história começa.

 

 

 Jair Bolsonaro é o 10º militar a assumir a Presidência da República

 O capitão reformado do Exército tornou-se também o terceiro representante das Forças Armadas a ser eleito pelo voto direto

Eleito presidente do Brasil no domingo, 28 de outubro, o deputado federal Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), será o décimo militar a ocupar a Presidência desde a Proclamação da República, em 1889. O capitão reformado do Exército tornou-se também, desde a adoção da atual forma de governo, o terceiro mandatário oriundo das Forças Armadas a ser escolhido pelo voto direto.

Embora tenham participação marcante na história da República, os militares só estiveram no cargo máximo do Executivo por nove vezes de uma lista de 37 presidentes, que inclui aqueles que exerceram a função por períodos curtos.

Antes de Bolsonaro, outros dois militares assumiram a Presidência pelo voto direto. Hermes da Fonseca (sobrinho de Deodoro), representante do Partido Republicano Conservador (PRC), foi eleito ao derrotar o jurista Rui Barbosa e sua campanha civilista. O militar, que assim como seu tio era marechal, ficou no cargo de 1910 a 1914.

O outro fardado a se tornar presidente eleito em votação direta foi Eurico Gaspar Dutra, do Partido Social Democrático (PSD) e também marechal, que contou com o apoio de Getúlio Vargas para derrotar o igualmente militar Eduardo Gomes. A eleição do brigadeiro decretou de vez o fim do Estado Novo (1937-1945), período que fez parte da Era Vargas.

 

 Junta militar

Por duas vezes na história republicana brasileira, o País foi governado por uma junta formada por militares. A primeira ocorreu em 1930, quando um golpe liderado por Getúlio Vargas resultou na deposição do presidente Washington Luís e impediu Julio Prestes, então eleito pelo voto direto, de assumir o cargo. Coube a três militares comandarem o Brasil, mas por apenas dez dias.

Outro episódio semelhante ocorreu em 1969, quando o presidente-ditador Arthur da Costa e Silva afastou-se por motivo de saúde. O governo militar impediu que o vice Pedro Aleixo, um civil, substituísse o titular do cargo e escalou um trio de representantes das Forças Armadas que assumiu o governo por 60 dias.

 

 Ditadura Militar

O período mais marcante da participação militar no governo executivo teve início em 1964, com a deposição de João Goulart, vice e sucessor direto de Jânio Quadros, que renunciou em 1961, e só terminou em 1985, com o processo de redemocratização. Nesses 21 anos cinco militares se revezaram na Presidência.

O marechal Humberto Castelo Branco foi eleito pelo Congresso Nacional e comandou o Brasil de 1964 a 1967. Depois, ocuparam a Presidência os generais Artur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985). O período foi marcado por forte repressão, censura à liberdade de imprensa e de expressão, e tortura e morte de adversários do regime militar.

 

Capitão da reserva e carreira política

Formado na Academia Militar de Agulhas Negras, em 1977, Bolsonaro entrou para a reserva em 1988, quando ainda era capitão do Exército, e no mesmo ano elegeu-se vereador pelo Rio de Janeiro, dando início a uma longa carreira política.

Dois anos depois foi o candidato mais votado do Rio para uma vaga na Câmara dos Deputados. Bolsonaro está no sétimo mandato como deputado federal. Integrante do chamado “baixo clero”, grupo de parlamentares de pouca projeção no Congresso Nacional, é conhecido por defender posições conservadoras, nacionalistas e de caráter militar.

Eleito na chapa de Jair Bolsonaro, o general Antônio Hamilton Martins Mourão é o vice-presidente da República. Chegou a ocupar o cargo de secretário de Economia e Finanças do Exército durante o governo golpista de Temer, que o exonerou no ano passado. Em fevereiro deste ano, foi transferido para a reserva.

 

A luta para manter os direitos

A vitória de Jair Bolsonaro força os trabalhadores, sindicatos e profissionais a uma nova disputa por direitos, liberdade, democracia e justiça. “Teremos quatro anos de muita luta pela frente”, afirma o professor Rui Oliveira, coordenador-geral da APLB-Sindicato.

A equipe econômica de Bolsonaro, chefiada por Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, já sinalizou com privatização das empresas estatais e a proposta da carteira de trabalho verde e amarela, que minimiza a participação dos sindicatos e permite que prevaleça o negociado sobre o legislado, e a reforma da Previdência.

Admirador da ditadura militar (1964-1985), Bolsonaro gera uma forte rejeição nas comunidades negra e LGBT por suas declarações racistas e homofóbicas. Mas tem um grande poder de atração entre os jovens nascidos após a ditadura: 60% dos seus seguidores têm menos de 34 anos. Católico, corteja as igrejas evangélicas. Esse arauto da lei e da ordem também atrai os pobres, a classe média e intelectuais.

Por isso, os partidos de esquerda, os sindicatos, as centrais sindicais devem superar seus problemas e se unirem contra o que virá por aí a partir de 2019. Pela formação do novo governo, os militares terão grande força, o que pode representar um governo militar eleito democraticamente na República do Brasil.

Superados os problemas de entendimento político, as forças de esquerda devem também entender que desde as eleições de Donald Trump, nos Estados Unidos, e Emmanuel Macron, na França, além de outros governantes de direita em vários países europeus, a questão é muito mais que uma onda. Trata-se de uma grande conspiração mundial de entronizar as forças de direita, com a união das maiores forças capitalistas tendo como suporte a mídia em todos os seus aspectos.

As forças de esquerda precisam fazer autocrítica de erros cometidos e se fortalecerem para atrair a população com suas propostas reconhecidamente de evolução política e humanística, para combater essa conspiração mundial.

Como lembrou recentemente José Dirceu, classificando o momento em que o País passa como uma contrarrevolução. “Uma regressão cultural e política.” Para ele, as forças de oposição não devem se perder em debates que as dividem. “Cada um tem de cumprir seu papel. Lá na frente a gente se encontra.”

Viva o Brasil!

Você pode gostar de ler também: