Carla Oliveira: O direito de escolha negado às mulheres

Carla Oliveira: O direito de escolha negado às mulheres

O ano de 2024 está sendo marcado especialmente por pautas que colocaram os direitos reprodutivos das mulheres em evidência tanto na imprensa nacional e internacional, em debates políticos dentro dos espaços legislativos e do governo federal, assim como também, em espaços sociais como igrejas, escolas, no transporte público, nos grupos de Whatsapp, nas rodas de conversa etc. E por quê? Aborto.

Sim, aborto. Essa pequena palavra que consegue gerar uma enorme polêmica e comoção entre as pessoas não apenas no Brasil, mas, no mundo todo. Pois, existem pessoas que manifestam opinião contrária e também pessoas que são a favor. E ainda existe o que a legislação, especificamente, o Código Penal brasileiro, determina sobre o tema.

Em junho de 2024, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do Partido Progressistas (AL), em votação relâmpago, aprovou em segundos a urgência do Projeto de Lei 1.904/24, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (Partido Liberal), que equipara a interrupção da gestação com mais de 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em casos de estupro. Esse PL prevê a criminalização de gestantes e também de profissionais de saúde com penas que variam de 8 (oito) a 20 (vinte) anos de reclusão em regime fechado e para menores de idade a reclusão de 3 (três) anos em estabelecimentos educacionais.

Após intensa mobilização nacional, que colocou milhares de mulheres e homens nas ruas contra esse projeto de lei e gerou constrangimentos à bancada evangélica no Congresso, o presidente da Câmara, Arthur Lira, retirou o PL da pauta de votação, alegando que uma comissão especial seria composta para analisar a proposta e esta seria pautada no segundo semestre, após as eleições municipais. Além disso, devido à enorme quantidade de críticas sobre a proposta, foi enviado ao Congresso o Projeto de Lei 2526/24, com o objetivo de aumentar a pena para pessoas que cometem o crime de estupro.

Eis que, após alguns meses, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sob a presidência da deputada federal Caroline de Toni (PL-SC), decide colocar em votação e aprovar, por 35 (trinta e cinco) votos a favor e 15 (quinze) contrários, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012, que propõe exatamente o quê? Proibir a prática de aborto legal no Brasil. O curioso é que, dos 35 votos a favor, 27 (vinte e sete) foram de HOMENS. Ou seja, os homens querem decidir sobre o corpo das mulheres e essa pauta para nossos parlamentares é essencial. E por quê?

É importante destacar que, desde 1940, o Brasil permite o aborto em dois casos específicos: risco de morte da gestante e estupro. Somente em 2012 é que o Supremo Tribunal Federal (STF) a interrupção da gravidez em casos de fetos com anencefalia, que é quando há má formação do cérebro, ou seja, sem chances de vida. Apenas nestes três casos o aborto não é considerado crime em nosso país. No mundo, um total de 77 (setenta e sete) países permitem o aborto independente dessas três situações.

Vamos recapitular?

ESTUPRO – crime sexual cometido contra crianças, adolescentes, mulheres e idosas. Nenhuma pessoa do gênero feminino está livre de ser vítima desse tipo de crime que, quando não mata a vítima, deixa sequelas profundas. No Brasil, o número de crianças vítimas desse tipo de crime é vergonhoso e alarmante.

Por que uma criança em fase escolar deve interromper sua infância? Por que a criança deve correr risco de vida ou viver com estigma, sendo exposta por não poder interromper a gestação? Por que uma jovem ou mulher não pode escolher não prosseguir com a gestação? Por qual motivo as mulheres NÃO TÊM DIREITO DE ESCOLHA? Por qual motivo se deve infligir às meninas e mulheres mais esse sofrimento?

GRAVIDEZ DE RISCO À VIDA DA GESTANTE, ou seja, uma gestação que pode provocar a morte da gestante. Por que uma mulher precisa morrer? Por que um marido deve ser obrigado a ficar viúvo? Por qual motivo uma esposa deve perder o amor da sua vida sabendo que a gravidez de sua companheira vai lhe custar a vida? Por que as pessoas devem criar filhos sem alguém tão especial da família? Por quê?

ANENCEFALIA DO FETO – vamos pensar: a notícia da chegada de mais um ente querido para a família deve ser um momento de alegria. Portanto, para um casal receber a notícia de que o bebê tão esperado e amado não sobreviverá é muito difícil, ou seja, há um enorme sofrimento causado por essa notícia. Já pensou nisso? Então, por que obrigar o casal a passar por esse sofrimento por longos meses?

Vamos refletir mais um pouco e muito: por que as pessoas devem passar por todo esse sofrimento e ainda serem criminalizadas? Por qual motivo profissionais de saúde, que devem cuidar das pessoas fazendo uso de todas as tecnologias disponíveis da medicina para proporcionar uma vida mais longeva e saudável para as pessoas, devem ser criminalizados/as?

Qual o sentido disso? Que lógica tem isso? Por que as pessoas não podem decidir? Por que você, sim, mulher não pode dizer: SIM ou NÃO?

Por que parlamentares que se utilizam do discurso da liberdade de escolha do cidadão para comprar e ter porte de armas são os mesmos que querem determinar que você não pode escolher prosseguir uma gravidez fruto de estupro, morte da gestante e de impossibilidade de vida do feto? Quem essas pessoas pensam que são? Quem essas pessoas pensam que nós somos?

Já parou para refletir sobre isso?

Por isso, a posição de pessoas que defendem um Estado Democrático, que respeita a dignidade humana e que querem e lutam para que as mulheres sejam plenamente respeitadas DIZ NÃO À PEC 162/2012. Pelo fim da violência contra as mulheres!

Nós, mulheres de todo o Brasil, junto com pessoas de todo canto, fomos chamadas às ruas novamente para defender nossos direitos, para defender a nossa vida! Vamos mais uma vez mostrar ao Brasil que nós, mulheres, temos força!!

Dia 10/12 no Campo Grande, em Salvador, Bahia, às 15h, nos encontraremos lá!

 

 

Carla Oliveira é diretora de Mulher e Diversidade de Gênero III da APLB-Sindicato

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