Ensino de espanhol na educação pública – APLB critica batalha de interesses e acende o alerta sobre precarização da profissão docente
Embaixadas estrangeiras, entidades de professores e parlamentares divergem sobre obrigatoriedade do idioma do Novo Ensino Médio
O ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira virou uma batalha de interesses de embaixadas estrangeiras, entidades de professores e parlamentares. O estopim foi a aprovação do texto do Novo Ensino Médio, no dia 9 de julho, na Câmara dos Deputados. O texto aprovado aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, enquanto isso, está sob escrutínio de entidades de educação e professores. De autoria do deputado federal e relator Mendonça Filho (União-PE), o documento substitui a versão acatada pelo Senado e, entre outras medidas, suprime a obrigatoriedade do ensino de espanhol. Pelo texto aprovado pela Câmara, apenas o inglês é obrigatório.
A decisão ocorreu após lobby contra e a favor de pelo menos 10 embaixadas de países hispano falantes e de representantes diplomáticos de França, Alemanha e Itália.
➡️De um lado, os países da América do Sul que falam espanhol defendem a importância do ensino do idioma no Brasil para a integração regional.
➡️De outro, algumas embaixadas que fizeram lobby defendem que, sem a obrigatoriedade do espanhol, haveria a possibilidade de ofertar, caso as escolas queiram ou haja uma determinação estadual ou municipal, uma segunda língua.
Segundo entrevista do deputado federal Mendonça Filho foi considerada na decisão a realidade brasileira diante da dificuldade do aluno com a língua materna, o português. Além disso, a “ascendência de colônias importantes” de pessoas que migraram da Europa para o Brasil no século 20, como italianos, alemães, ucranianos e poloneses. “Evidentemente que se houver espaço para uma segunda língua, essas comunidades terão como preferência a língua da origem cultural dos seus antepassados”, acrescentou.
Em 2005, o Brasil tornou o espanhol obrigatório no ensino médio por meio da Lei 11.161. No entanto, a regra foi revogada com a reforma do ensino médio, em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer.
Segundo Seabra, deveriam ter sido levados em consideração os acordos internacionais que o país têm com países latino-americanos, bem como as fronteiras brasileiras na América do Sul. “E uma coisa que é mais grave ainda: espanhol é a língua escolhida pela maioria dos estudantes na hora de fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”, acrescentou.
Preferência dos estudantes
De acordo com dados de 2020 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 60% dos candidatos escolhem espanhol como opção de língua estrangeira no Enem.
Um novo projeto de lei, de autoria do deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), tramita na Câmara, em caráter de urgência, pela reincorporação do espanhol como língua estrangeira obrigatória na fase final da educação básica.
Cabo de guerra entre embaixadas
A decisão pelos idiomas estrangeiros inseridos como disciplina obrigatória no Novo Ensino Médio desencadeou um cabo de guerra entre as embaixadas e representantes diplomáticos junto ao Congresso Nacional. De acordo com uma reportagem publicada pela CNN Brasil, a embaixada da França no Brasil encabeçou um movimento de pressão na Câmara dos Deputados, com as representações da Itália e da Alemanha, pela retirada da obrigatoriedade do espanhol do currículo.
De acordo com o texto, a adida de cooperação educativa da embaixada francesa no Brasil, Hélène Ducret, teria afirmado que se o espanhol fosse tornado segundo idioma obrigatório nas escolas brasileiras, as “consequências seriam tremendas”.
Um levantamento realizado pela DW usando a ferramenta Agenda Transparente, da Fiquem Sabendo (ONG que trabalha com transparência e acesso a informações públicas), mostra que Hélène Ducret participou de duas reuniões com o Ministério da Educação (MEC) neste ano, em 20 de janeiro e em 14 de junho.
As agendas mais recentes da embaixada da Alemanha com o MEC ocorreram em 28 de fevereiro de 2024, para tratar de cooperações, e em 24 de março de 2023, para tratar de parcerias educacionais.
Neste ano, no dia 21 de fevereiro, o embaixador da Colômbia no Brasil também se reuniu com o ministro, mas o assunto do encontro não foi especificado na agenda. Procuradas para falar sobre a retirada do espanhol do currículo, as embaixadas da Espanha e do Uruguai responderam que não iriam se posicionar.
Mendonça Filho confirmou que foi procurado por mais de dez representantes de embaixadas de países hispano-falantes, bem como de representantes diplomáticos da Itália, França e Alemanha. “Acho legítimo que esses países possam expressar a defesa da sua identidade cultural e da sua língua”, afirmou o parlamentar.
De acordo com ele, os argumentos a favor da manutenção do espanhol defendiam a integração do Brasil na região, já os contra reforçavam a presença das comunidades de ascendência europeia no país. “Respeito todos, mas eu entendo que tecnicamente e tendo em vista o interesse dos jovens brasileiros, a decisão do parlamento foi a mais acertada”, defende.
Já a senadora Dorinha Seabra (União-TO), relatora do projeto no Senado, afirmou que durante a fase de tramitação do projeto recebeu representantes da Secretaria de Estado para Ibero-América e o Caribe e o Espanhol no Mundo do Ministério de Assuntos Exteriores, União Europeia e Cooperação na Espanha, e das embaixadas da Espanha, Panamá, Cuba, Paraguai, Uruguai, Equador, Peru, Colômbia, Argentina, Chile e República Dominicana.
Enquanto o texto do Novo Ensino Médio aguarda sanção presidencial, representantes de associações de professores de língua espanhola de 21 estados, de Associações de Linguística e Hispanistas, além de coletivos de defesa da educação, emitiram uma nota pública questionando a decisão da Câmara dos Deputados. “É preciso ressaltar o papel do Brasil na América Latina, levando em conta sua posição geopolítica no continente e, especificamente, sua liderança na economia, com relações comerciais que contribuem para o crescimento de diversos segmentos, como a indústria, o comércio, o turismo e o ramo de serviços”, destaca o texto.
As entidades afirmam que o Brasil realizou um investimento, desde 2005, na formação de docentes, abertura de novas graduações em letras português-espanhol e na compra de material didático. “A decisão da Câmara foi superdecepcionante. Na educação, quanto mais você lê, mais você melhora o aprendizado, independentemente do idioma. Então, não faz sentido o argumento que irá atrapalhar o português”, afirma a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mônica Nariño, criadora do movimento Fica Espanhol.
Para ela, a decisão irá desestimular o interesse na formação de professores de espanhol em programas de licenciatura. “Eles acham que a gente vai virar uma Venezuela, uma Cuba. Eles têm medo dessa resistência”, acrescenta Nariño.
Em nota, o Ministério da Educação (MEC) se recusou a comentar a questão das embaixadas, tampouco divulgou se tem parcerias com essas organizações para fomento do ensino de línguas estrangeiras. A pasta também não divulgou dados de quantas línguas estrangeiras são ofertadas na rede de educação básica brasileira e a quantidade de alunos que estudam cada uma delas.
O ministério também destacou, em nota, que estados, municípios e o Distrito Federal têm autonomia para organizar seus próprios sistemas de ensino. “Assim, podem estabelecer, nos seus currículos: a obrigatoriedade da língua inglesa como componente curricular na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e/ou estabelecer a obrigatoriedade de componentes curriculares na forma de outras línguas estrangeiras ao longo de todo o ensino fundamental e médio”.
Com informações do G1