Lançamento: Romance do professor Gildeci Leite aborda questões como racismo religioso e mercado da fé
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Fonte: Evidencie-se
O soteropolitano Gildeci de Oliveira Leite acaba de publicar sua primeira narrativa longa. Apesar de sua experiência literária ter sido iniciada ainda na juventude através da poesia, permitiu-se longo intervalo até a realização de uma atividade literária com mais regularidade em coletâneas, jornais, blogs e agora com seu romance “A Casa do Mistério ou a Casa do Renascimento”. Como a maioria dos escritores, Gildeci possui outra profissão, ele é docente de literatura da UNEB (Universidade do Estado da Bahia). Para ele a docência e a escrita são complementares, assonantes. Fizemos um rápido bate-papo em seis perguntas gentilmente respondidas, que nos dão alguma ideia da obra que promete polêmica e sedução.
O livro lançado pela angolana Mayamba será vendido no site da editora e em outras livrarias! Bom de papo e com conversa agradável, Gildeci possui agenda de lançamento em feiras e festas literárias, atividades para as quais era convidado na maioria das vezes para apreciações críticas e teóricas. “A Casa do Mistério ou a Casa do Renascimento” deve suscitar discussões indispensáveis ao mundo contemporâneo.
1) Porque “A Casa do mistério ou A Casa do renascimento”?
Gildeci de Oliveira Leite – Há vários motivos para justificar esse título ao romance. Talvez primeiro eu deva dizer que há mistério e renascimento na narrativa, o que parece ser óbvio pois esse é o título da obra. Já para o culto aos ancestrais da tradição nagô baiana, a casa do mistério é também a casa do renascimento para onde vão os iniciados neste culto, após a morte. Ouvi isso de alguns ojés, sacerdotes de culto aos ancestrais masculinos na Bahia, e mais de um dos personagens é ojé. Tem uma música em especial que fala disso, não a coloquei no romance. Dentre os mistérios da narrativa, há questões relacionadas ao mercado da fé, ao racismo religioso, à hipocrisia que condena algumas formas de ser e de estar no mundo e às escondidas pratica aquilo que condena. Há mistérios também no templo cristão da narrativa!
2) Como você definiria seu romance?
Gildeci de Oliveira Leite – É uma literatura de axé, também podem chamar de afro-brasileira ou outras classificações possíveis. É literatura baiana, brasileira, afro-baiana, é literatura. Gosto da diversidade de classificações, desde que não seja depreciativa, sei o que eu sou, o que é o romance e pode ser que ainda haja muito o que descobrir. É uma obra que se comunica com a Música Popular Brasileira, com o axé music. Alguns podem estranhar a presença de notas de rodapé, glossário, referências. É um grito afetuoso pela diversidade. É também a continuidade do que tenho feito em forma de crônicas, artigos de opinião e contos, quasesempre curtos pela necessidade de se adequar à quantidade de caracteres dos espaços de jornais. É um dos resultados da reelaboração de parte do que tenho ouvido há décadas aqui e ali a respeito de artimanhas do mercado da fé, do avanço da intolerância e do racismo religioso. É ainda um conjunto de homenagens a expressões de nossa baianidade, brasilidade, sem perder de vista a possibilidade da alegria. Para usar o clichê, em “A Casa do Mistério ou a Casa do Renascimento” tem sangue, suor, lágrimas, felicidade, o necessário toque de sensualidade, afinal o narrador-personagem é Exu.
3) Você disse que Exu é o narrador-personagem. Trata-se de uma narrativa religiosa?
Gildeci de Oliveira Leite – Não! Eu não produzo literatura religiosa e nem tenho autoridade e autorização para isso e não sou sacerdote! Respeito os que a fazem! Faço literatura de ficção, faço criação literária. A presença de Exu é como narrador e personagem ficcionais. Poderia até ser Hermes, por exemplo, se eu conhecesse dele o suficiente para arriscar a construção de um personagem inspirado nele. Poderia ser Santo Antônio, a partir do que o catolicismo popular baiano, brasileiro dizem sobre ele e um estudo aprofundado de seu hagiológico. Contudo, se assim fosse poderia não ter o dendê necessário para ser uma literatura de axé. Bom, Santo Antônio dá um bom caldo e associado a outras representações teria dendê, teria axé! Sim, aproveito o arquétipo do orixá Exu para construir o personagem Exu, isso é o mínimo que se espera de uma criação de um personagem ficcional, inspirado em um personagem real, algo como algum percentual de correspondência entre ficção e realidade. O personagem é um Exu brasileiro de tradição nagô brasileira e com muito respeito e homenagens às outras tradições da mitologia afro-brasileira. Pronto, talvez seja essa uma explicação, inspiro-me, também, na mitologia afro-brasileira e quem a conhecer um pouquinho poderá encontrar diversas intertextualidades com ela. Quem não a conhece poderá ser instigado a conhecê ou ficar em outras linhas e entrelinhas da ficção, pois é literatura e sendo literatura é plural! Há yorubaianidade — conforme o conceito de Félix Omidirê — angolanidade baiana e ao mesmo tempo outras possibilidades de leituras.
4) Dentre os personagens há dois irmãos gêmeos, Maria e sua mãe. São duplas que representam lados antagônicos. Quem são os vilões, quem são os mocinhos?
Gildeci de Oliveira Leite – A narrativa é concluída com a fala de Exu que informa “Vai ter padê!”. O padê, que é um ritual e oferenda específica a Exu, é o início e não o fim! Mesmo entre os que são aparentemente algozes há vítimas, há marionetes. As relações de poder são tecidas, apresentando personagens que aparecem como dirigentes de situações opressivas e na verdade são controlados de forma remota por verdadeiros dirigentes, que eles nem conhecem de fato! Exu de tudo sabe, mas nem tudo foi revelado por sua voz, ainda continuam mistérios que poderão ou não se desdobrar a partir das capacidades leitoras. Vamos ver quais serão as compreensões leitoras. Espero que eu tenha oportunidade de descobrir purgações, purificações, efeitos libertadores, descargas emocionais das leitoras e dos leitores e quem sabe tudo isso alimente novas escritas. Com isso, não estou assumindo compromisso algum em satisfazer o gosto médio para uma fórmula, mas gosto da possibilidade de saber o que dizem, talvez fuxicos necessários, construtores de enredos.
5) Você descreve cenas de sexo, quase como imagens audiovisuais, será que isso poderia desviar a atenção do leitor?
Gildeci de Oliveira Leite – O desvio é a saída da rota e o sexo, desde que permitido e consensual, é sempre uma rota de felicidade, nunca um desvio. Exu é o narrador como você já sabe. Fosse outro o narrador as cenas de sexo poderiam ser apenas sugeridas, algo como “Maria e Messias fecharam a porta…” ou “As pastoras entraram nuas na banheira de hidromassagem…”. Esses fragmentos de narrativas também seriam legítimos, todavia deixariam de comunicar aspecto importante do próprio narrador, que é seu patronato sobre a sexualidade. Exu é o responsável por encontrar o lugar exato para a genitália feminina, quando da feitura dos corpos dos seres humanos e é o patrono da cópula sexual. Exu é a própria representação da felicidade, da vida, do sexo. Engraçado, você fala em cena e em audiovisual, adorei! Procuro escrever com uma constante tela dentro da cabeça! Gosto muito da ideia do audiovisual. Quando enviei os originais para a Mayamba não havia feito o índice e eles colocaram cena 1, cena 2 até a cena 21, o que lembra mais facilmente a linguagem do teatro e do audiovisual. Vamos às cenas!
6) Agora sobre mercado editorial. Por qual motivo fazer o livro por uma editora estrangeira? Aproveite para deixar seu contato e informações de como encontrar “A Casa do Mistério ou A Casa do Renascimento”?
Gildeci de Oliveira Leite – Nada é à toa! Ainda na fase da escrita do livro enviei os originais para alguns poucos amigos, dois de fato leram e emitiram opiniões. Um deles foi o professor Antônio Carlos Sobrinho, o outro foi Manuel Rui, importante escritor angolano, autor da letra do hino nacional de Angola e filho de Ogum. Sim, filho de Ogum, um orixá, portanto entidade nagô, um dia posso falar mais sobre isso. Manuel Rui propôs à editora Mayamba a publicação e recebi a resposta positiva do editor Arlindo Isabel. Adorei! Além da Mayamba ser uma editora prestigiada, respeitada, há algo de simbólico no fato de o livro ter seu lançamento a partir de um país africano, pelas mãos de um filho de Ogum! Manuel também me brindou com o prefácio da obra! Sou filho de Xangô com Ogum! A mulher que me pariu é filha de Ogum! Tenho muitos motivos para estar feliz! Afinal, sou Aiyò Inà n´Ilê Asipà, Alegria do Fogo do Ilê Asipà! E para me encontrar é muito fácil, peço que sigam meu Instagram @gildeci.leite! Meu e-mail é gildeci.leite@gmail.com Muito Obrigado! Axé!