Reforma tributária: pela manutenção do salário-educação

O recente anúncio do ministro da Fazenda, Guido Mantega, sobre o projeto de reforma tributária a ser enviado, pelo governo federal, esta semana, ao Congresso, preocupou demasiadamente a todos que militam na esfera da educação pública, especialmente no nível básico.

 

A mencionada proposta prevê a extinção da contribuição do Salário-Educação, principal fonte de receita do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/MEC, que é calculada com base na alíquota de 2,5% sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, de todas as empresas contribuintes, observadas as exceções.
Criado em 1964, pela lei nº 4.440, o Salário-Educação foi recepcionado pela Constituição de 1988 e sua previsão encontra-se disposta no artigo 212, parágrafo 5º da Carta Magna, e em demais leis ordinárias, decretos e resoluções de regulamentação. Trata-se de recurso adicional aos impostos vinculados e se destina ao desenvolvimento da educação básica. Sua receita é dividida entre União, estados e municípios. A primeira detém um terço dos recursos e os dois últimos dois terços, que são distribuídos mediante matrículas efetivas nos sistemas/redes de ensino.
À luz da estrutura descentralizada da educação no Brasil, sobretudo no tocante ao financiamento, o Salário-Educação, mesmo sendo de caráter contributivo, segue a lógica da vinculação constitucional de impostos para a educação. Portanto, é uma receita “carimbada”.
Embora ainda insuficiente, a vinculação constitucional, ao longo das últimas décadas, tem se mostrado importante para assegurar recursos à educação. Segundo dados da OCDE (2006), o Brasil investe, anualmente, 3,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. Países desenvolvidos, que já contam com sistemas educacionais estruturados e bem avaliados, investem cerca de 6% a 7% do PIB.

 

A UNESCO estipulou meta mínima de 6% e o Plano Nacional de Educação – com os vetos de 2001 – estabeleceu 7% do PIB. Já o PNE da Sociedade, aprovado nos Congressos Nacionais de Educação, estipula investimentos da ordem de 10% ao longo de uma década. Ou seja: há consenso sobre a necessidade de se aumentar as verbas educacionais; porém falta vontade política, das três esferas de governo, para que isso se concretize.
Do nosso ponto de vista, o desafio da ampliação das receitas da educação perpassa, necessariamente, por escolhas de critérios fiscal e tributário, além de políticos, os quais devem ser debatidos no ambiente da reforma tributária. Concernente à obtenção das verbas: ou aumenta-se as alíquotas dos atuais impostos (pouco provável, no presente cenário), ou amplia-se os percentuais atualmente vinculados (contrapondo interesses dos gestores), ou expande-se a base das receitas vinculadas (incidência de novos impostos e contribuições). Esta última parece-nos, neste momento, a mais viável, não obstando implementá-la de forma mista. Em relação à equidade federativa – outro grave problema carente de solução – somente a alteração da atual estrutura tributária, aliada a um plano consistente de desenvolvimento nacional, poderá estabelecê-la a contento.
O presente projeto de reforma tributária, no entanto, segue na contramão destes anseios, pois sugere extinguir fontes de receita da educação e de outros direitos sociais, como a Previdência. Ao prever o fim do Salário-Educação e a redução da Contribuição Patronal ao INSS – embora o governo já tenha admitido o desmembramento desta última em outra PEC – o Estado brasileiro assume o risco de fragilizar a segurança social, por meio de restrições a dois direitos de suma importância para o desenvolvimento sócio-econômico da nação.
Por outro lado, não há como concordar com as conjecturas de que a elevação dos indicadores econômicos, a ser viabilizada pela desoneração produtiva, compensará o fim dos atuais tributos, uma vez que não passam de simples conjecturas. Vale destacar que a política de desoneração do ICMS às exportações (Lei Kandir), tem ocasionado, em alguns estados da federação, perdas expressivas à educação e demais políticas públicas, e, pior, causado deformação e injustiça no sistema tributário e federativo – claramente observados nos repasses da União aos fundos da educação básica – onde três estados (PA, MA e BA), em função desta e de outras formas de desoneração tributária, apropriaram-se de quase três quartos do valor da complementação federal ao Fundeb.
Ademais, o que está em jogo é o conceito estrutural do financiamento da educação, o qual encontra-se ancorado à vinculação dos impostos. Sua flexibilização acarretaria, ao menos, duas graves conseqüências. A primeira refere-se à perenidade das verbas, podendo torná-las reféns dos humores macroeconômicos e da vontade dos administradores públicos. A segunda, diz respeito à base financeira e fiscal de arrecadação e repasse dos recursos. A proposta de o Tesouro distribuir os atuais recursos do Salário-Educação aos respectivos órgãos educacionais, não observa novas fontes arrecadadoras – contrariando o princípio da previsibilidade orçamentária – tampouco garante o saldo real e temporal dos recursos. Somente no ano de 2007, a contribuição do Salário-Educação ultrapassou a cifra de 7 bilhões de reais. Qual a base de cálculo capaz de impedir perdas nos futuros repasses do Tesouro sobre esta modalidade de tributo? Haveria um critério paralelo de aferição da Contribuição, mesmo esta estando derrogada, que observaria a capacidade contributiva do Salário-Educação? Pois somente assim, e com uma nova base legal, seria possível evitar conseqüentes perdas para a educação. E bem sabemos que isso foge aos princípios das finanças públicas.
Como já expusemos em outras oportunidades, a CNTE é favorável à consecução de uma reforma tributária. Porém, esta deve fundar-se nas prementes necessidades de eqüidade federativa, de justiça contributiva e redistributiva, de priorização dos impostos frente às contribuições, de garantia do bem-estar à sociedade, através do atendimento de todos os direitos sociais e coletivos e por meio do desenvolvimento econômico com base na valorização do trabalho.
Recentemente diversas entidades ligadas à educação veicularam nota contra a redução de recursos para a educação, em âmbito do Orçamento da União, dada a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A mesma também requeria o fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que tem retirado mais de 5 bilhões anuais da educação, e ainda cobrava empenho dos governos (federal, estaduais e municipais) para ampliar os investimentos educacionais em relação ao atual percentual do Produto Interno Bruto. Todas essas medidas se mostram necessárias a fim de garantir a execução de políticas públicas previstas para o setor, como a implementação dos programas do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Educação Básica.
Neste sentido, reiteramos nosso pedido acima e acrescentamos a necessidade de retirada do Salário-Educação da proposta de reforma tributária, caso fontes adicionais de recursos vinculados para a educação não sejam contempladas na Proposta de Emenda Constitucional.

 

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