Sociólogo explicita principais divergências entre CUT e CTB

Com a fundação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em dezembro passado, se intensifica o debate em inúmeros sindicatos sobre a filiação à CTB. Entre eles, está o Sindicato dos Sociólogos de São Paulo (Sinsesp) que abriu um espaço especial em seu Boletim nº 8 (de 22 de fevereiro) para tratar do tema. O primeiro artigo sobre a polêmica é do presidente do Sinsesp, Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, que defende a desfiliação do sindicato da CUT e a filiação a nova central. Com muitos argumentos, e até uma tabela, o sociólogo explicita em seu artigo as diferenças fundamentais entre uma central e outra.

 


Leia abaixo o artigo na íntegra.

 

As principais divergências entre CUT e CTB   

 

Por Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho

 

O Brasil vem vivendo desde meados de 2007, um processo de modificações profundas na sua estrutura de centrais sindicais. É antigo o desejo dessas organizações que venham a ser legalizadas e que possam representar parcelas dos trabalhadores brasileiros. A primeira central a se constituir e se organizar no Brasil, nos tempos mais recentes foi a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, fundada em 1983, fruto da realização da 1ª Conclat (Conferência Nacional das Classes Trabalhadores) realizada em 1981, que indicou a Comissão Nacional Pró-CUT, que era, até então ampla e contemplava todas as correntes e forças do sindicalismo brasileiro.

 

A CUT, logo de cara, já não se mostrou nem única e nem ampla, pois excluía de sua estrutura expressivas parcelas do chamado sindicalismo oficial, a que era muito comum chamar de “pelegos”. Em função disso, veio o racha inevitável. As parcelas de confederações e federações oficiais tomaram outro rumo e em 1986, surge a segunda maior central no país, a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). A Corrente Sindical Classista, por onde atuavam no movimento sindical brasileiro os comunistas do PCdoB, decidem ir para essa central mais ampla.

 

Essas duas centrais sindicais reinaram sozinhas por muitos e muitos anos. Ocorre que na elaboração da Constituinte de 1988, ambas tinham poucos anos de vida e não eram ainda fortes, conhecidas e respeitadas. Nesse sentido, prevaleceu a força dos lobbies sindicais das confederações encasteladas no topo da pirâmide sindical em Brasília. Assim, o Artigo 8º da Constituição Federal manteve as três questões mais caras para nosso sindicalismo: a unicidade sindical (uma entidade por categoria, tomando como base um município), as finanças compulsórias (com a manutenção da contribuição sindical, além de uma segunda receita que ficou constitucionalizada) e o sindicalismo de categoria profissional. Além disso, manteve o chamado sistema confederativo, ou seja, não constitucionalizou as centrais, que acabaram ficando fora da estrutura piramidal do sindicalismo brasileiro.

 

A vida da CSC dentro da CGT foi efêmera, durando pouco mais de dois anos. A CSC tem sua fundação em um encontro realizado em 1989 na Unicamp. A decisão tomada de ingressar na CUT foi feita no histórico encontro do Rio de Janeiro, na UFRJ. O ingresso formal deu-se no Congresso de 1992. Assim, a Corrente Classista co-habitou com a CUT por exatos 15 longos anos, até 2007. Foram anos positivos, de boa convivência, mas marcados por muitas diferenças.

 

As três divergências centrais

 

São muitas as divergências. A primeira delas e talvez a mais importante seja a questão do plurisindicalismo, ou seja, na defesa da assinatura da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A CUT nasce e incorpora em seus estatutos a defesa dessa Convenção. Em uma mesma categoria em uma mesma cidade, podem existir quantos sindicatos de trabalhadores for possível. Basta que se reúna um número mínimo de trabalhadores em assembléia e já se pode fundar uma entidade. Ora esse modelo foi implantado no Japão no pós 2º Guerra e resulta um país pequeno com quase 80 mil sindicatos! Por lá, pode-se ter vários sindicatos em uma mesma empresa.

 

Defender a fragmentação do sindicalismo, a sua pulverização, a multiplicidade de entidades nas campanhas é negar na prática a unidade e a luta dos trabalhadores. O sindicato ser único não significa que ele não seja plural nas idéias. Os patrões sempre estiveram reunidos em um único sindicato. O caso mais emblemático é a própria Fiesp, que é uma espécie de central sindical dos industriais paulistas e é única, unitária e unida politicamente.

 

A segunda grande divergência são as receitas compulsórias. Vive-se num mundo em que os impostos são fundamentais para se realizar benfeitorias para a população, oferecer serviços públicos de boa qualidade. Só tem uma coisa muito antiga quanto a própria sociedade humana: são os impostos. É verdade que a compulsoriedade de receitas sem uma estrutura democrática onde as minorias e uma oposição possam um dia ganhar as eleições, leva à criação de uma casta sindical e à hegemonia de certos grupos, afastados do contato com as bases.

 

No entanto, ao diagnosticar corretamente a questão da compulsoriedade das receitas e as conseqüências que isso gera, ao apresentar a sua proposta alternativa de extinção dessa contribuição, a CUT cometia um erro histórico. Seria como se um médico, que diagnostica corretamente uma doença, mas ao prescrever um medicamento, mataria o paciente. Retirar todas as receitas compulsórias de uma entidade é matar a imensa maioria dos sindicatos brasileiros. Assim, a proposta correta teria sido sim democratizar a estrutura sindical. Como dizem os tributaristas, “imposto bom é imposto velho”, não tem contestações. Fala-se em mais de 50 decisões e jurisprudências no STF que a contribuição sindical é devido por todos os trabalhadores e não só pelos associados da entidade.

 

Tenho dito em palestras e conferências sindicais, que o sindicalismo deve se sustentar com três fontes de receitas, oriundas exclusivamente dos trabalhadores. Essas três fontes, não devem ultrapassar a 1,5% ao mês do salário total dos trabalhadores da base do sindicato ao mês (ou 18% ao ano de um salário). A primeira fonte e mais importante do ponto de vista de sua consciência de categoria é a mensalidade sindical. No Brasil de cada cem trabalhadores registrados, apenas 18, em média, optam por se associar a uma entidade sindical. Isso significa dizer que os outros 82 acham que suas vidas devem ficar melhor se passarem longe do seu sindicato representativo. Mas, sabemos que são pouquíssimos os sindicato de trabalhadores privados que vivem com mensalidade.

 

As outras duas fontes devem ser compulsórias, sendo que uma delas chamada de Contribuição Sindical, criada com a CLT há 65 anos, é referente a um dia de trabalho de todos os assalariados privados e é descontado no mês de março (profissionais liberais a pagam em fevereiro, diretamente para o seu sindicato de categoria). Essa contribuição (diferente de imposto), ainda que compulsória, de todos e sem oposição, tem fim específico, determinado e serve para sustentar a estrutura sindical.

 

A terceira e última fonte (e devemos nos esforçar para unificar a nomenclatura de todas as fontes independente da categoria a que pertençamos), deve ser também ela compulsória, mas decidia em um valor percentual adotado em assembléia de trabalhadores, sendo limitado por lei ultrapassar determinado percentual do salário do trabalhador. Também aqui não deve ter oposição e ser descontado de todo, mesmo que não haja acordo e o julgamento vá a dissídio coletivo num tribunal. Essa fonte deve custear especialmente as lutas dos trabalhadores e suas campanhas salariais, formação sindical.

 

Sem contribuição sindical não há sindicatos

 

Estudos realizados de várias formas e oriundos de várias fontes diferentes indicam que, em números redondos, se a contribuição sindical acabasse, em torno de 60% dos sindicatos no país ou fechariam ou passariam a ter imensas dificuldades de sobrevivência. No ano de 2007, o país fechou com uma arrecadação anual de um trilhão de reais só de impostos. Os tributaristas identificam ao todo (nas três esferas de poder), 57 tipos de impostos pagos no país (claro que não existem pessoas que paguem todos eles). A arrecadação federal, estadual e municipal, alcança quase a 40% do PIB em impostos (e não que isso seja ruim, mas eles são mal arrecadados, mas esse é outro assunto). A contribuição sindical compulsória de um dia de trabalho equivale a um bilhão de reais, ou seja, um milésimo de toda a arrecadação tributária brasileira! Mas, os neoliberais estão inconformados com isso e querem tirar esse um milésimo. Fazem uma defesa tão apaixonada disso que parece que são os verdadeiros defensores dos trabalhadores brasileiros, quando na verdade tramam para matar milhares de entidades.

 

Durante a tentativa de reforma sindical de 2003 e 2004 patrocinada pelo primeiro mandato de Lula, a CUT e alguns de seus luminares levantaram uma estranha tese – neoliberal total de meu ponto de vista – de associar receitas sindicais à combatividade e luta de uma entidade. Assim, durante uma campanha salarial, um sindicato combativo aprova um índice em assembléia e, por lei, teria garantia que esse percentual fosse descontado de todos os trabalhadores de sua base. Os que não lutam, não negociam, não assinam acordos coletivos, possivelmente pelegos, estariam fadados a morrer ou se transformar em ONGs. Que tese esdrúxula. Muitas vezes um acordo não é firmado não por falta de negociação e luta, mas por intransigência dos patrões.

 

Essa tese se valesse para as cidades, estados e para o governo federal estaríamos fritos. Seria como se disséssemos assim para o futuro prefeito que vai tomar posse em 1º de janeiro de 2009: olha você só poderá usar e administrar as receitas oriundas do IPTU e ISS (os principais impostos municipais) se fizer uma boa gestão. Ora quem julga isso? A mesma coisa com governadores com os impostos ICMS e IPVA e os governo federal com o IR e o IPI. A questão central, como disse acima não está no fato das receitas serem compulsórias. O mais importante, teria sido essa a grande conquista da reforma de 2003/2004, seria a democratização da estrutura sindical (claro, não é nosso objeto de análise, mas teríamos chegado a um consenso maior de pontos a serem avançados e acordados com todas as centrais e confederação, que incluiria a organização por local de trabalho).

 

Organização por ramo ou categoria?

 

Por fim, a terceira divergência, também bastante profunda entre as duas principais concepções sindicais no Brasil. A questão do sindicalismo de ramo em contraposição ao de categoria. Primeiramente algumas definições sobre o significado de cada coisa.

 

Podemos definir “Ramo de Atividade” como um sub-setor, uma sub-área de um setor econômico, um ramo produtivo da economia de um determinado grande setor. São atividades econômicas produtivas e vinculadas à produção e reprodução de capital.

 

Já categoria profissional podemos dizer que é o trabalho dos que produzem a riqueza, “pela similitude de condições de exercício da profissão ou do trabalho em comum, e dos que exercem profissões ou funções diferenciadas, por força de estatuto profissional, ou em conseqüência de condições singulares de vida, em situação de emprego na mesma atividade econômica privada ou pública, ou em atividades econômicas similares, paradigmáticas, ou conexas, constitui a formação social denominada categoria profissional” .

 

A definição de categoria profissional dada pela CLT é em seu artigo 511, § 2º é: “a similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”.

 

A CLT de 1º de maio de 1943, que este ano completará 65 anos, menciona outro tipo de categoria profissional, mais específica e dá a eles o nome de “categoria diferenciada”, cuja definição é a seguinte: “Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em conseqüência de condições de vida singulares” (parágrafo 3º do mesmo artigo).

 

Há imensa complexidade do trabalho não só no Brasil, mas no mundo. Temos em nosso país 228 profissões regulamentadas, das quais apenas 26 possuem órgãos fiscalizadores do seu exercício profissional, a saber: Músicos, Engenheiros (junto com Arquitetos, Agrônomos e Geógrafos), Técnicos de Radiologia, Representantes Comerciais, Administração, Biblioteconomia, Biomedicina, Corretores de Imóveis, Enfermagem, Fisioterapia (junto com terapia Ocupacional), Medicina, Nutricionistas, Advogados, Relações Públicas, Química, Serviço Social, Biologia, Economia, Farmácia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinário, Odontologia, Psicologia, educação Física e Estatística.

 

Todas as demais 202 profissões buscam em sindicatos específicos, suas formas de se organizarem e protegerem seus direitos. Esses profissionais exercem trabalhos previstos em leis, possuem responsabilidades diferenciadas e são punidos quando cometem erros. Quando um metalúrgico erra na produção de um carro, o consumidor processa a montadora pelo erro, mas quando um médico comete um erro, ele se vê pessoalmente responsabilizado por isso.

 

Assim, quero dar um exemplo de uma metalúrgica, para ficarmos num ramo expressivo de produção (e ao mesmo tempo categoria profissional). Trabalham em uma montadora vários tipos de trabalhadores e nela atuam vários sindicatos. Sem falar dos profissionais liberais que já demos exemplo do médico, temos as secretárias, os motoristas entre outros. Pode-se introduzir aqui o conceito de “Sindicato preponderante”, que envolve várias categorias. É um debate que precisa ser feito.

 

Assim, a proposta de sindicato de ramo, ainda que correta historicamente, ela é inviável no atual estágio de consciência dos trabalhadores que é ainda, quando muito, de categoria profissional e não de classe. O corporativismo é muito forte. Mesmo entre os metalúrgicos isso tem problemas. Têm alguns operários, como o nosso próprio presidente da República que, muitas vezes, se apresenta como “torneiro mecânico” e não metalúrgico. Outros falam que são “ferramenteiros”, que era considerada a elite da categoria. Esses são ofícios de uma mesma categoria.

 

Assim, pedir que um médico se sinta metalúrgico é um erro. O que temos que fazer é conscientizar esse médico, como todos os outros trabalhadores, não a se sentirem metalúrgicos, mas a que realizem campanhas conjuntas e unificadas com todos os sindicatos envolvidos em uma mesma empresa.

 

Temos dito que o ramo, a organização por ramo, se realiza em plano superior, em uma federação. Vejam o exemplo dos transportes. Trabalhadores em transportes poderiam se organizar em um mesmo sindicato. Até sem considerar os três níveis de transportes, como terra, água e ar, como conciliar um sindicato único de trabalhadores em transportes terrestres na cidade de São Paulo, por exemplo? Praticamente impossível. Teriam que se associar em uma mesma entidade, condutores de veículos, metroviários, ferroviários, taxistas e motoboys. E para não bastar, todos os sindicatos que reúnem os patrões são diferentes, ou seja, não estão em uma única entidade patronal do lado de lá do balcão. Ou seja, eles teriam que fazer pelo menos cinco campanhas de qualquer forma, sem garantia de unificação geral. A unificação ocorre quando se dá no plano federativo e as campanhas podem e deveriam ser de base estadual e mesmo nacional.

 

Outras divergências existentes

 

Uma delas diz respeito à questão da democratização interna na entidade. Em entidades do tipo central, que são a cúpula de parte do sindicalismo em um país, ter uma diretoria proporcional aos votos que uma chapa recebe de delegados em um congresso é saudável, democrático e garante, com base em votos, uma expressão de correntes que possam ter tido baixa votação em termos percentuais num determinado congresso. Uma espécie de eleição proporcional, como funciona no Brasil as eleições para a Câmara dos Deputados.

 

Ocorre que há dois tipos de proporcionalidade no movimento sindical brasileiro. Uma deles é a chamada proporcionalidade direta de uma entidade. Uma chapa, por exemplo, pode ter tido 60% dos votos e outra 40%. Supondo uma central com cem dirigentes, a vencedora ficaria com maioria de 60 cargos e a derrotada com 40. Ora, a proporcionalidade direta faz com que de uma só vez, a vencedora escolha, ao seu bel prazer, os 60 principais e mais importantes cargos da central e a perdedora, com os meros restantes 40, provavelmente sem nenhum de expressão. Esse é o atual modelo estatutário da CUT hoje.

 

A CTB defende outro modelo, a que chamamos de proporcionalidade qualificada. Pelo mesmo exemplo acima, a chapa vencedora escolheria os primeiros seis cargos, passando-se a perdedora os restantes quatro cargos e assim sucessivamente até todas as vagas serem preenchidas. É muito mais democrática. Mas, a CUT não aceita isso, porque significaria ter dado para a CSC no último congresso, o cargo de Secretário-Geral e a Secretaria Internacional.

 

Há também a questão da filiação internacional em jogo e isso sempre foi polêmico para parcelas expressivas do sindicalismo brasileiro. A CSC sempre se colocou contra a filiação da CUT ao campo da CIOSL (que se unificou com a CMT – Confederação Mundial do Trabalho, ligada à Igreja e criou a CIS – Confederação Internacional Sindical). Essa Central Sindical Internacional sempre fez o jogo do imperialismo norte-americano, apoiou Hitler na 2º Guerra, é a favor do bloqueio econômico a Cuba, apoiou as duas guerras contra o Iraque, apóia a ALCA entre outros posicionamentos ruins e polêmicos, nenhum pouco classista. É uma central do campo do capitalismo. De outro lado, ainda que sem contar com a mesma força e prestígio, temos a Federação Sindical Mundial, que agora vem se fortalecendo no cenário sindical mundial. No caso da CTB, ela já surge fundada em dezembro passado em Belo Horizonte, com decisão tomada de filiação á FSM.

 

Publicamos abaixo, um quadro resumido das principais divergências existentes entre a CUT e a recém criada Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) (www.cttb.org.br). Defendo pessoalmente o fortalecimento da CTB e a filiação do nosso Sindicato a ela e fazemos hoje campanha para que um maior número de entidades de base sejam filiados a essa nova central sindical, classista, democrática e de luta.

 

Fonte: Boletim Nº 8 do Sinsesp

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