Fusão de turmas gera polêmica no Central

Vinte e sete das 108 turmas do Colégio Estadual da Bahia (Central), em Nazaré, serão extintas e 280 alunos remanejados para outras salas. O processo de “enturmação” é resultado da evasão de 1.041 estudantes.
As causas para essa debandada de uma tradicional escola da Bahia são desconhecidas. Um dos motivos aventados é a matrícula ter sido superestimada. O diretor da unidade, Jorge Nunes, acredita que o número elevado pode ser resultante da inscrição de pessoas que pretendiam apenas obter benefícios exclusivos para estudantes ou ter acesso a estágio remunerado.

Mais essa mazela na educação do Estado foi detectada pelo diretor do Central, que assumiu o cargo em julho. Ele optou por oficializar a “enturmação”, que já vem ocorrendo na prática, visto que há turmas freqüentadas por pouco mais de cinco alunos.
O vice-diretor do Central, Tupinan Costa Dantas, garante que a reestruturação – “enturmação” – é uma movimentação que vai viabilizar aulas para os alunos. “A proposta da direção é que os professores que ficarem sem turma apresentem um programa com projetos paralelos de ensino (aulas de reforço escolar, atividades extras, projetos científicos, recuperação paralela, entre outros)”, declara.
A direção do Central é contra deixar a escola na mesma situação que vinha se estendendo há tempos e, por isso, quer efetivar as mudanças.
“Não é correto deixar para discutir a situação só no ano que vem. Se nunca foi tomada uma decisão, agora tomamos. Não se arruma a casa sem levantar poeira”, diz o diretor. Para Nunes, não é decente deixar os alunos sem aulas até o fim do ano letivo. Já o vice-diretor avalia que a ação é positiva para resolver os problemas internos e emergenciais do colégio.

 

QUESTIONAMENTOS – O diretor da Associação dos Professores Licenciados do Estado da Bahia (APLB), Rui Oliveira, discorda. Para ele, a medida do professor Nunes é considerada um desastre do ponto de vista pedagógico. “Com que direito pode-se pegar um aluno que foi acompanhado o ano inteiro por um professor e, de repente, colocá-lo em outra turma, com outro professor?”, questiona.
“Acredito que uma medida como esta só traz prejuízos para a educação dos estudantes, ao invés de solucionar o problema”, completa.
Oliveira afirma ainda que o diretor está sendo autoritário e impondo uma mudança contra vontade dos alunos e do corpo docente.
O presidente da APLB ressalta que a postura não terá resultados, pois se o diretor insistir com a idéia, a escola vai parar. “A comunidade acadêmica como um todo não vai atender a uma decisão do diretor contra a vontade. Ao invés de discutir problemas estruturais da instituição, ele quer implantar, por vontade própria, esse processo de ‘enturmação’”, declara. Ele se recusa a comentar a situação dos professores que ficariam excedentes: “Não vou opinar, porque não vai acontecer”.
O presidente da APLB também questiona outras posturas da direção do colégio. Segundo Oliveira, os professores que fizeram parte do comando de greve e de certa forma negociaram o fim da paralisação – que durou 60 dias no inicio deste ano – estariam recebendo cargos como uma espécie de gratificação, sendo indicados por partidos políticos.
O caso foi levado à Secretaria Estadual de Educação (SEC). O secretário Adeum Sauer determinou que seja feita uma inspeção na escola para apurar a situação real e identificar as causas dessa crise.
Sauer anuncia também que está em estudo um novo modelo de matrícula. O formato atual gerou um custo de R$ 18 milhões durante o último período de matrícula. Até então, os alunos procuram os postos informatizados e depois os colégios são informados sobre o número de matriculados para elaborar sua programação.
“Estamos estudando mecanismos de ajuste para aperfeiçoar o sistema e, assim, corrigir falhas e reduzir custos”, ressalta o secretário.
Ele diz que a SEC só tem conhecimento de que a “enturmação” está ocorrendo no Central. Entretanto, admite que a medida pode ter sido adotada informalmente em outras unidades da rede estadual de ensino.

 

AMÉLIA VIEIRA E MARIANA MENDES | A TARDE ON LINE
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Secretaria garante que não haverá perdas para docentes

Com o remanejamento de estudantes, o quadro de 189 professores que compõem o corpo docente do Central ficará com 30 profissionais excedentes.

“Os professores não terão perdas financeiras”, afirma a coordenadora da Superintendência de Acompanhamento e Avaliação do Sistema Educacional da SEC, Euzelinda Nogueira Dantas.

A proposta apresentada pelo diretor do Central é que os professores excedentes desenvolvam programas educacionais, a exemplo de projetos científicos, atividades extras e aulas de reforço escolar.

O reforço beneficiaria, especialmente, alunos como Celi Silva, do terceiro ano noturno.

“Estamos sem professor de matemática desde o início do ano, quando o mesmo se aposentou. Estamos cobrando um novo professor desde que acabou a greve e até agora nada.

Como vamos entrar numa turma que já está na terceira unidade da matéria e fazer uma prova daqui a 15 dias?”, questiona.

A situação contraditória – ter docentes a mais ao mesmo tempo em que há disciplinas sem professor – é classificada pelo secretário Adeum Sauer como excepcional. Ele promete corrigir essas e outras distorções.

O primeiro passo, anuncia, é um censo que está sendo feito nas 1.753 escolas que compõem a rede estadual de ensino.

“É uma radiografia do parque educacional, com informações sobre professores, alunos, pessoal de apoio, estrutura física, pedagogia… que nos dará elementos para planejar a educação”, esclarece Euzelinda.

Os primeiros resultados devem ser anunciados no próximo mês.

A média de abandono escolar no Brasil é de 16%, de acordo com dados de 2004 do Ministério da Educação. Esse índice é superior na região Nordeste, que alcança 20,9%. A Bahia atinge um patamar ainda maior: 21,1%.

O cálculo da SEC é que no Colégio Central esse percentual chegou a 27%.

Além da possível fraude na matrícula, esse abandono pode estar associado a questões sociais, como necessidade do estudante trabalhar ou desestímulo com a falta de infra-estrutura das escolas. O processo de “enturmação” consiste em juntar em uma mesma sala de aula diversas turmas, criando super-turmas com até 50 alunos.

A idéia já foi adotada nas escolas públicas do Rio Grande do Sul, gerando protestos da comunidade escolar. A forma mais comum da “enturmação” é juntar alunos da mesma série, mas alunos de diferentes séries foram reunidos em uma mesma sala. (A.V. e M.M.)

 

Escola de personagens célebres


Quem circula pelos corredores e prédios do Colégio Central, em Nazaré, ou até mesmo em frente a ele, muitas vezes não se dá conta da sua importância histórica. Um dos centros educacionais mais antigos da Bahia, o colégio, criado em 1836, começou a funcionar como Liceu Provincial da Bahia, logo no ano seguinte à sua fundação.

Com a reforma do sistema pedagógico, feito pelo governo republicano, em 1890, o Liceu transformou-se em Instituto Oficial de Ensino Secundário.

Neste período, a escola passava a exercer o papel de transformar súditos em cidadãos. As transformações vividas pelo Colégio Central não pararam por aí. Em 1896, o Instituto é renomeado Ginásio da Bahia e equiparado ao Colégio Pedro II, passando a ser uma das referências de excelência em ensino do Brasil na época.

Em 1942, outra mudança de nome, mas esta agora definitiva: Colégio Estadual da Bahia. Três anos depois, a quantidade de estudantes aumenta no Estado e são criadas seções de ensino. O Colégio Estadual é, então, designado seção Central, daí o nome pelo qual ficou mais conhecido até os dias atuais.

CÉLEBRES – Outro fator importante que marca a história do Central é a passagem de estudantes célebres. Entre eles: o presidente da Petrobras José Sérgio Gabriele, o cantor Raul Seixas, os ministros Geddel Vieira Lima, Gilberto Gil, o ex-ministro Waldir Pires, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, o ex-secretário de Educação Eraldo Tinôco, a deputada Lídice da Mata, o escritor João Ubaldo Ribeiro, o cineasta Glauber Rocha, o educador Cid Teixeira e o mártir da resistência à ditadura e poeta Carlos Marighela.

Segundo o diretor do Colégio Central, Jorge Nunes, existe, no acervo da instituição, uma prova de física do poeta Marighela respondida toda em versos. Ele destaca que além da prova, o acervo histórico do colégio é possuidor de grandes títulos.

“Por causa disso, o colégio está tentando institucionalizar o acervo e criar um memorial, para facilitar o acesso”, afirma o educador.

 

Professores e alunos rejeitam enturmação

 

“Tem aluno que até hoje não teve aula de algumas matérias. Em que condições ele vai conseguir acompanhar uma turma que esteja adiantada?”, questiona a professora de biologia Ângela Dantas, diante da proposta de fundir turmas.

Docente do Colégio Central há 17 anos, ela acredita que a reestruturação proposta pelo diretor Jorge Nunes é uma boa idéia, mas considera o momento inadequado. Na sua avaliação, tal medida não é “pedagogicamente apropriada para ser implantada em meados da terceira unidade”.

Os questionamentos de Ângela refletem a insegurança instalada entre professores e alunos a respeito da “enturmação”. Entre os integrantes da comunidade escolar ouvidos pela reportagem, o maior temor está relacionado à conclusão do ano letivo de 2007, que termina em três meses.

Indignado com a situação de conflito, o professor de história Miguel Antônio Dantas, que também leciona na casa há 17 anos, declara que os docentes não estão sendo respeitados quanto à decisão.

“Nossa opinião não está sendo levada em consideração. Somos nós professores que entendemos sobre o dia-a-dia da educação dos nossos alunos. Não somos contra a reestruturação, só não concordamos com a forma como ela está sendo implantada. O momento é inapropriado, e ela está sendo imposta”, declara.

DIVERGÊNCIA – A situação é de divergência entre o corpo docente, alunado e direção da instituição.

Os professores se queixam que os alunos os procuram com medo de perder o ano. Os docentes acreditam que esse embate pode provocar um agravamento da evasão escolar, que foi mais elevada que o habitual devido à greve na rede estadual.

Realizado no início deste ano, o movimento durou 56 dias.

O aluno Robson Pereira, que cursa o terceiro ano do ensino médio no turno noturno, diz que a escola está em péssimas condições.

“Nossa professora de geografia tirou licença para fazer um doutorado, e desde que a greve acabou não foi colocado um professor substituto.

Juntar as turmas não vai fazer a gente recuperar os assuntos perdidos”, reclama.

Também aluna do terceiro ano noturno, a estudante Rosimeire Nunes acredita que a medida irá tornar o aprendizado confuso. “Se tiver a mudança vai misturar os assuntos, desta forma a ‘enturmação’ vai acabar piorando as coisas”.

A jovem reclama: “Porque não ouviram nosso pedido de professor substituto depois da greve?”.

Ampliando a discussão, o professor de matemática Joel Barros, que leciona no Central há quatro anos, declara que o governo estadual trata a educação como um faz de conta e não olha para as dificuldades das instituições. “Não temos piloto na escola, se escrevemos é porque trazemos de outra escola ou porque compramos. Não temos apagador, a xerox está quebrada, os quadros estão estragados, o banheiro não tem quem entre de tanta sujeira, muitas vezes não tem nem água para a gente beber. Isso tudo é uma vergonha”.

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