Mais de 100 dias de greve na BA: a lição que J. Wagner não aprendeu

Mais de 100 dias de greve na BA: a lição que J. Wagner não aprendeu

Por Walter Takemoto

Publicado no portal da revista Caros Amigos,  segunda-feira (6).

Leia abaixo o artigo na íntegra ou clique aqui e siga o link da matéria.

Os professores da rede estadual de ensino da Bahia realizaram uma greve, que ultrapassou os cento e treze dias de paralisação, o que representa o movimento grevista de mais longa duração no Estado. A greve reivindicava o reajuste de 22,22% correspondente ao índice determinado pela Lei do Piso Nacional Salarial do Magistério, conforme acordo assinado entre o sindicato e o governo do Estado no final de 2011. Com o não cumprimento do acordo, a greve por tempo indeterminado teve início em abril.

Como faz questão de divulgar o governo do Estado, a paralisação nesse momento conta com a participação de aproximadamente 20% dos professores e escolas. O que não diz o governo do Estado, é que antes de se completar o primeiro mês de greve o pagamento dos salários foi cortado para os grevistas, o repasse das mensalidades sindicais descontadas na folha foi suspenso e a máquina de intimidação do estado foi colocada em movimento para tentar sufocar a luta dos professores. A pressão pela imprensa, a demissão sumária de centenas de professores temporários que se recusaram a voltar ao trabalho, a contratação de substitutos, além dos processos abertos contra professores grevistas.

E repetindo o método utilizado na greve dos policiais militares, o governo e seus representantes iniciaram pela imprensa e redes sociais uma campanha voltada a desmoralizar as lideranças do movimento, dizendo que a greve era motivada por disputa entre grupos políticos do sindicato, que o principal dirigente sindical pretendia utilizar a greve para se eleger vereador, entre outras acusações que reproduzem métodos conhecidos por quem militou no movimento sindical nas décadas de 70 e 80 do século passado, e que o governo baiano ressuscitou com maestria.

Desgaste

Todo trabalhador, seja da iniciativa privada ou do funcionalismo, que já participou de forma ativa de uma greve, sabe o quanto é desgastante mobilizar, organizar e sustentar um movimento grevista. As divergências com os colegas de trabalho, a pressão dos usuários, os enfrentamentos com as chefias, o cansaço de se ir aos locais de trabalho discutir as razões do movimento grevista, as assembleias cansativas, o desgaste pelo esforço cotidiano de manter os colegas animados mesmo quando não existe perspectiva de vitória a curto prazo. Some-se a tudo isso a falta de dinheiro, a pouca alimentação e os problemas familiares que vão se acumulando a cada dia que a greve vai se arrastando.

Esse quadro se agrava ainda mais quando existe a ação repressiva por parte do governo, em especial com o corte do salário, que significa a impossibilidade da manutenção básica da família, do pagamento das contas, ou seja, a quase inviabilidade da sobrevivência física e psicológica. Como pode um professor ou uma professora se manter em greve por mais de 100 dias sem receber nenhum salário?

A esse respeito escreveu a Professora Maria do Socorro Aquino:

“O que mais me surpreende é o pouco caso com que as autoridades e a imprensa em geral estão tratando o caso. Políticos preocupados com a corrida eleitoreira e a imprensa com notícias parciais, aceitando divulgar inverdades a respeito dos professores, de forma insensata e leviana. Vi professores chorando de indignação e vergonha, mas resistindo bravamente. A greve é um grito de chega dos professores. Grito ouvido por poucos e tratado de forma desrespeitosa pelos responsáveis pela resolução do problema.

Cem Dias de Solidão

Daí a sensação de cem dias de solidão. Cada professor conta com sua força e sua convicção para manter-se incorruptível, mesmo com salários cortados e as dificuldades a bater na porta. E contam uns com os outros, em uma demonstração de solidariedade que fortalece o que acredito ser o papel da educação: não perder a capacidade de indignar-se, ser moralmente capaz de sustentar o que ensina nos duzentos dias letivos de todos os anos da vida profissional, ser capaz de lutar pelo que acredita e inspirar isso nos alunos. Não estamos na escola para ensinar conteúdos apenas, pois estes mudam, assim como muda o mundo. Estamos na escola para ensinarmos, também, que é possível construir uma sociedade justa e igualitária e que para tal acontecer é preciso lutar”.

Como a professora Maria do Socorro, devem pensar e agir a grande maioria dos homens e mulheres, educadores, que resistiram bravamente esses mais de cem dias de dura, sofrida, mas corajosa luta. Tudo indica que a greve deve ser interrompida, pois no momento em que escrevo esse texto, dia 03 de agosto, está ocorrendo uma assembleia que deve votar pela suspensão da paralisação e retorno ao trabalho.

E o governo foi derrotado definitivamente.

Perdeu por serem esses professores que resistiram durante todo esse tempo o que tem de melhor no magistério baiano. Isso não significa que os demais não sejam bons professores, pois são com certeza, e só saíram da greve por não resistirem à pressão terrível da luta pela sobrevivência. A diferença é que esses que permaneceram até a assembleia final, são os que militam cotidianamente por uma escola e uma sociedade mais justa e igualitária, os que não se entregam facilmente às promessas e acenos de qualquer governo aventureiro, que são capazes de colocar os interesses sociais e coletivos à frente dos individuais. São os que lutam por uma nova sociedade e uma nova forma de se fazer política. E o governo Jaques Wagner os perdeu definitivamente, e por isso sua derrota no mundo real é também definitiva.

Perdeu, pois por mais que tenha utilizado a imprensa e outros recursos à disposição da máquina estatal para isolar e fragilizar a luta dos professores, tentando jogar alunos e a população contra o movimento grevista, as pesquisas de opinião demonstram de forma clara e dura que a avaliação do governo despencou em Salvador. Em abril a avaliação ruim ou péssima da gestão J. Wagner era de 36,1% no começo da greve, e atingiu 69,1% no mês de julho, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Futura.

Derrota

Perdeu ao escancarar a inexistência de uma política educacional para o Estado e, na ânsia de derrotar o magistério e “ganhar” o apoio popular, contratou sem licitação uma empresa privada para realizar “aulas show” e gravar as mesmas, por quase 3,5 milhões de reais. O proprietário da empresa, Sr. Jorge Portugal, alega que como os seus “professores são de ponta e estão acostumados a ganhar bem”, ele precisa pagar R$ 250,00 a hora para cada um. Ao mesmo tempo, determinou o retorno às escolas de todos os professores temporários e concursados sem estabilidade, sob o risco de demissão sumária, o que aconteceu com centenas de professores que não se submeteram ao autoritarismo do governo.

A partir das ameaças e do corte de salários, o governo convocou os alunos do ensino médio para retornarem às aulas. Como não haviam professores suficientes, a secretaria organizou escolas polos para atender alunos de bairros diferentes e criou os “aulões pré-Enem” voltados para estudantes do 3º ano do ensino médio. Para esses aulões a secretaria designou professores até mesmo do ensino fundamental, que nunca tinham atuado no ensino médio e que desconheciam os conteúdos previstos. A secretaria mobilizou seus chefes e assessores para irem às escolas pressionar e ameaçar os professores que manifestavam publicamente aos alunos a farsa que estava sendo montada pelo governo. Muitos alunos abandonaram as salas e se negaram a participar do que diziam ser enrolação.

Velhos Métodos

A condução dessa greve pelo governo da Bahia se repete os métodos utilizados em outros momentos, como a greve das universidades estaduais ou da Polícia Militar, demonstra que o PT não aprendeu com a lição recebida da greve do funcionalismo

de Campinas em São Paulo, e hoje repete o mesmo método em nível federal com os professores das universidades públicas, e o final parece que irá se repetir novamente.

O mais trágico desse processo, é que o maior beneficiário político da despolitização do governo baiano e da sua incapacidade de diálogo com os trabalhadores é a direita, representada pelo DEM no campo eleitoral, com o candidato ACM Neto.

E o irônico é constatar que os primeiros cartazes de campanha do candidato do PT, Pellegrino, estampava a foto sorridente do J. Wagner. Alguns dias depois, foram todos retirados e no lugar surgiram novos cartazes sem nenhuma alusão ao apoio do governador, simplesmente ignorado, exatamente no período em que foram divulgados os índices de reprovação ao governo estadual.

Construção da Educação

Infelizmente parece que o governador J. Wagner não conseguirá aprender com a greve que quando se fala que a educação é determinante para o futuro do país, não se esta falando de prédios, TVs pen drive (que o governo baiano comprou milhares), ou propaganda que diz ser possível alfabetizar centenas de milhares de analfabetos em alguns poucos meses. Quando se fala da construção de uma educação pública de qualidade, estamos falando dos professores e dos seus alunos, que durante duzentos dias ao ano estão nas salas de aula das escolas espalhadas pelas cidades baianas tentando reescrever a história de exclusão e autoritarismo que marca a relação entre o povo e as elites, de tradição coronelista, que se acreditava fazia parte do passado. Hoje, infelizmente, para grande parte dos professores e alunos a diferenciação entre quem são os representantes da direita e da esquerda no âmbito político institucional esta difícil de reconhecer.

O retorno às aulas coloca para os professores a tarefa de fortalecer os vínculos e superar conflitos surgidos com os colegas de trabalho, debater com os alunos e a comunidade os motivos e as consequências da greve, refletir sobre o significado real do que é uma escola pública de qualidade e as responsabilidades do estado em relação aos investimentos necessários. Acima de tudo, é preciso construir com a população laços políticos que possam se constituir em movimentos organizados na luta por uma escola pública de qualidade e por mais recursos para a educação.

Lutar, Lutar

Essa greve demonstrou de forma cabal que os trabalhadores da educação e a população não podem deixar nas mãos de nenhum governo a esperança de que resolvam os graves problemas sociais existentes em nosso país. Ou se luta para conquistá-los, ou jamais serão solucionados.

Ao mesmo tempo em que se luta por salário digno, é preciso também que o magistério incorpore em suas reivindicações, de forma explicita e como prioridade, questões que são estratégicas para que os alunos e alunas das escolas públicas possam aprender melhor e com qualidade, ao mesmo tempo em que os professores possam efetivamente alcançar a valorização profissional que merecem. Para tanto, é preciso que se exija do governo do estado que adote medidas visando:

– valorizar e investir na qualificação do magistério baiano, oferecendo-lhes oportunidades reais de desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional permanente, com plano de carreiras e salários que valorizem a qualidade do ensino e seus resultados na aprendizagem dos alunos;

– recursos didático-pedagógicos, bibliotecas e laboratórios de qualidade e em condições de uso, articulados com os currículos em desenvolvimento e com apoio efetivo por parte da secretaria para que professores e alunos possam utilizar os mesmos permanentemente;

– condições de trabalho e de aprendizagem para professores e alunos, o que significa instalações das escolas e salas de aula adequadas e recursos materiais disponíveis;

– gestão democrática da Secretaria e das escolas, em todos os níveis;

– políticas educacionais e investimentos voltados prioritariamente para a qualidade do ensino e da aprendizagem, tendo como foco o trabalho do professor em sala de aula com os seus alunos.

Essas medidas, implementadas de forma articulada e integrada, podem trazer resultados qualitativos a curto, médio e longo prazo, oferecendo aos professores as condições necessárias para ensinar com qualidade e, portanto, garantir a todos os alunos uma aprendizagem também de qualidade. Por outro lado, representa valorizar o magistério e, em decorrência, reduzir as possibilidades de greves e de desgastes políticos, que só tendem a se agravar quando o governo decide utilizar o poder de repressão como argumento e instrumento de negociação.

Os prejuízos causados pela greve ao ano letivo é irrecuperável, e não será o Sr. Jorge Portugal e nem cursinhos inventados de última hora que irá resolver. Se é verdadeiro o sentimento de pesar do Sr. J. Wagner em relação à situação dos alunos, como faz questão de declarar para a imprensa, ainda é possível que consiga recuperar a médio prazo esse estrago, ou pelo menos dar uma demonstração que reconhece o erro cometido, convocando o sindicato para negociar de forma séria e efetiva, apresentando uma proposta séria de pagamento do índice de reajuste do piso nacional salarial para todo o magistério, propondo medidas efetivas de investimento nas escolas públicas, e estabelecendo metas e prazos para que professores, alunos e comunidades possam construir uma escola pública de qualidade para todos.

É assim que age um governador comprometido com a escola pública.

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