Artigo
*Por Aílton Ferreira
Sociólogo, coordenador Executivo de Políticas
para Comunidades Tradicionais (CPCT) da Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia
Hoje eu vou pra Fazenda Grande do Retiro cortar meu cabelo e dar risada das conversas do povo na barbearia, depois compro uns temperos por lá. Lá, todo mundo está em casa ou nas ruas e becos fazendo churrasco e lavando os carros novos. São tantos carros, que está faltando onde estacionar na Fazenda Grande do Retiro.Hoje eu não vou pra Barra protestar, e como bem disse minha amiga Marilia, a Barra nunca foi lugar de protesto. No que pensei : deve ser para os cachorrinhos fazerem cocô.
Eu vou pra Fazenda Grande do Retiro!
Lá eu sou amigo dos reis e rainhas do Lixo!
Assustaram-se? Pois bem, na Fazenda Grande nós inventamos a Festa do Lixo, um evento publico de protesto e alegria, onde a primeira rainha eleita da festa foi a cantora Laurinha Arantes, que depois tornou-se rainha do axé music, ( Fazenda Grande também dá sorte!)
Foi no tempo em que protestar significava correr riscos, apanhar da policia, receber bombas de gás, perder o emprego e às vezes, perder a vida. Num tempo em que as mobilizações eram na base do “mosquitinho”, do panfleto feito no stencil a álcool, sabe como é?
Não tínhamos as facilidades das redes sociais e dos zap-zap.
E sabem o porque da Festa do Lixo?
Reivindicávamos coisas absurdas, a exemplo de posto de saúde, escola, linhas de ônibus, pavimentação asfáltica e ainda fazíamos o link dessas necessidades com a falta de democracia, com uma Constituinte livre e soberana, com eleições diretas para prefeito, governador e presidente.
Queríamos a democracia que temos hoje para falar o que se fala sem tomar porrada e ficar marcado na rua como subversivo. Sonhávamos com as eleições que hoje podemos realizar, ainda que hoje elas se dêem à base de muito dinheiro sujo.
Mas não vou jogar fora a água suja da bacia com a criança junto.
Hoje eu vou para a Fazenda Grande comemorar com as pessoas que já não pedem mais cinco reais para comprar o frango Avipal que vai à mesa no almoço, com refrigerante e cerveja. Este povo que quando precisou de emprego e dignidade, não contou com os revoltados de agora que vão pra Barra protestar.
Muitos desses que estarão na Barra, ainda não engoliram que as suas empregadas, agora tem direitos a carteira assinada e folga nos domingos, muitos desses ainda não entenderam que uma parte do povo que foi feita só para obedecer, agora está mandando, também, muitos ainda estão engasgados porque cruzam com os empregados nos corredores das faculdades, muitos desses protestantes da Barra ensolarada, já não sabem o que fazer com o quarto de empregada. Ora, guardem livros!
Eu não vou seguir essa gente que mangava de nós quando o protesto era nosso.
Eu não vou pra Barra, mesmo com o festival de arte de rua que montaram lá, sei lá, é muita coincidência. Aliás arte de rua é melhor na espontaneidade do povo da minha Fazenda Grande do Retiro.
Eu vou pra lá, onde o litrão é mais barato, o churrasco é de graça e o que não falta é artista…
Vamos juntos!